STF suspende análise de liquidação coletiva de sentença pelo MP


danos em massa

O ministro Cristiano Zanin, do Supremo Tribunal Federal, pediu vista, nesta segunda-feira (16/6), dos autos do julgamento de repercussão geral em que o Plenário discute se o Ministério Público pode promover a liquidação coletiva de sentenças em casos sobre direitos individuais homogêneos — ou seja, que têm origem em uma mesma situação.

Ministro Cristiano Zanin, do STF

Cristiano Zanin pediu vista dos autos

Com isso, a análise foi suspensa pela segunda vez em um mês. A sessão virtual havia sido retomada na última sexta-feira (13/6).

O julgamento definirá se o MP pode direcionar o conjunto das indenizações para os atingidos mesmo se as pessoas não se habilitarem para isso e estabelecer a maneira como a reparação será feita.

Antes da interrupção, o ministro Flávio Dino — responsável pelo primeiro pedido de vista no último mês — acompanhou o voto de Alexandre de Moraes, favorável à atuação do MP na liquidação coletiva. Eles formam uma divergência ao voto do relator, Dias Toffoli, que, por enquanto, está sozinho no entendimento contrário a essa possibilidade.

Contexto

Processos tratam de direitos individuais homogêneos quando há muitos afetados pelo mesmo fato. Ou seja, são causas repetitivas sobre pessoas lesadas de forma igual ou similar.

Isso ocorre em casos de consumidores prejudicados por má prestação de serviços ou cancelamentos, segurados da Previdência Social prejudicados por determinados cálculos ou reajustes inadequados em seus benefícios, pessoas atingidas por rompimentos de barragens, poluição ambiental ou obras de infraestrutura etc.

Nessas situações, o MP é uma das entidades que podem mover ações civis coletivas em nome das vítimas (o próprio Supremo já confirmou isso). A Justiça, então, pode reconhecer o direito delas a uma reparação pelos danos sofridos. Mas a forma de reparação e os valores só são definidos na fase de cumprimento.

A discussão é se o MP também pode atuar em nome das vítimas nessa segunda etapa, ou se cada um dos atingidos precisa fazer a liquidação individual e ajuizar sua própria execução para receber sua indenização.

Código de Defesa do Consumidor (CDC) já autoriza o MP a promover a liquidação e a execução quando ninguém se habilitar individualmente. Mas, nesses casos, o órgão precisa esperar o prazo de um ano e a indenização — chamada de reparação fluida — vai para um fundo público. O STF busca decidir se o órgão poderia atuar nessa fase sem aguardar eventuais liquidações individuais.

Histórico

O caso tem origem em uma ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de Mato Grosso do Sul. Em primeira instância, uma faculdade de Campo Grande foi condenada a restituir parcelas contratuais exigidas de alguns alunos com base em cláusulas consideradas nulas. O Tribunal de Justiça estadual manteve a decisão.

A discussão foi parar na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça. Lá, os ministros entenderam que o MP não pode promover a liquidação ou a execução coletiva referente aos danos sofridos pelas vítimas antes da liquidação individual — ou seja, a liquidação da sentença coletiva deve ser feita por cada um dos beneficiários, já que os direitos são individuais.

O recurso extraordinário foi apresentado ao STF pelo Ministério Público Federal e o pelo MP de Minas Gerais. Os órgãos argumentam que o entendimento do STJ contraria a missão constitucional do MP na defesa dos interesses sociais e coletivos. Para eles, a substituição dos indivíduos na etapa de cumprimento da decisão viabiliza o acesso à Justiça.

Voto do relator

Toffoli afirmou que o MP não tem legitimidade para promover a liquidação e a execução de sentenças em ações civis coletivas sobre direitos individuais homogêneos, exceto nas situações de reparação fluida. Ele também propôs que sua tese não se aplique a processos em andamento com sentença transitada em julgado até a data de publicação da ata de julgamento.

Segundo o magistrado, a liquidação e a execução, nesses casos, devem ser promovidas, “primordialmente, pelas vítimas e por seus sucessores”.

Para o relator, o que permite a atuação do MP na primeira fase do processo é o “trato impessoal e coletivo dos direitos subjetivos lesados”. Assim, a existência de beneficiários “previamente definidos” na segunda etapa vai de encontro a esse requisito.

Ou seja, “o interesse social qualificado” que autoriza o MP a ajuizar uma ação civil coletiva sobre direitos com origem em comum “não remanesce na fase de liquidação” da sentença.

Na visão de Toffoli, se o Ministério Público for responsável por liquidar sentenças do tipo, “suas outras funções institucionais da mais alta estatura constitucional poderiam ficar seriamente comprometidas”, pois o órgão assumiria “um volume de trabalho potencialmente incompatível com suas efetivas capacidades”. Ele ressaltou que o MP já tem diversas outras atribuições.

Voto divergente

Alexandre divergiu do relator, pois constatou a legitimidade do MP para promover a liquidação e a execução coletiva dessas sentenças em favor das vítimas ou de seus sucessores quando houver interesse social.

De acordo com ele, o que autoriza o MP a ajuizar uma ação civil pública é “a demonstração da existência de um interesse social no objeto de demanda, e não propriamente a natureza individual ou coletiva de tal interesse”.

Por consequência, também há “relevância social” para a liquidação e a execução da sentença em uma ação como essa, já que são fases igualmente necessárias para resolver a disputa.

“A efetivação dos direitos individuais homogêneos reconhecidos possui tanta — ou maior — relevância social quanto o seu reconhecimento, ainda que nesse momento haja um maior destaque para a individualidade de tais interesses”, disse o ministro.

Para Alexandre, de nada adianta limitar a atuação do MP à obtenção de uma decisão genérica se o órgão for impedido de “conferir eficácia” a ela.

O ministro ressaltou que isso só favoreceria o “causador do ato ilícito”. Por outro lado, as vítimas não teriam seus direitos concretizados, o Judiciário sofreria com a “multiplicação de demandas”, casos semelhantes ou idênticos seriam tratados de forma distinta e o sistema jurídico não seria efetivo.

Clique aqui para ler o voto de Toffoli
Clique aqui para ler o voto de Alexandre
RE 1.449.302



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