IA e os novos rumos da arbitragem esportiva


Imagine o momento decisivo de uma partida: o atacante finaliza, a torcida prende a respiração, e a bola balança a rede. Mas, antes da comemoração, entra em cena a tecnologia. O VAR revisa o lance, pausa o tempo, e o gol é anulado por um impedimento milimétrico. Nesse instante, a emoção do esporte se encontra com a frieza do algoritmo.

Fifa

A inteligência artificial (IA) na arbitragem esportiva é uma realidade irreversível. O uso de sistemas como o VAR no futebol, o Hawk-Eye no tênis, e a tecnologia da linha do gol transformou profundamente a forma como decisões são tomadas nas competições. Se por um lado essa inovação traz precisão e imparcialidade, por outro, gera uma série de dilemas jurídicos e éticos que ainda estão longe de serem resolvidos.

No Brasil, o Código Brasileiro de Justiça Desportiva e o Estatuto do Torcedor reconhecem o uso de recursos tecnológicos para auxiliar a arbitragem. No entanto, não há previsão específica para situações em que a IA falha. E falhas, como se sabe, acontecem. Em 2023, o Tribunal Arbitral do Esporte (CAS/TAS) julgou um caso em que o VAR anulou equivocadamente um gol na Premier League por erro de software — episódio que escancarou o vácuo normativo quanto à responsabilidade nesses casos.

Quem responde pelo erro da máquina? Doutrinadores divergem. Há quem defenda a responsabilidade compartilhada entre organizadores de competições e desenvolvedores dos sistemas. Outros, mais conservadores, argumentam que a palavra final continua sendo do árbitro humano, que deve assumir a decisão — mesmo quando ela é influenciada por uma tecnologia que ele, muitas vezes, não domina tecnicamente.

O debate se estende ao princípio da autonomia do árbitro. Até que ponto a IA está auxiliando ou, na prática, substituindo o julgamento humano? Embora a promessa seja de apoio, a tendência observada nos gramados é a crescente dependência das telas e revisões. Árbitros justificam decisões com base em imagens e softwares, e não mais apenas com base em sua interpretação no campo. Em casos recentes julgados pelo STJD, houve menção explícita a falhas do VAR como argumento para erros de arbitragem, apontando para a urgência de uma regulamentação mais clara.

Outro ponto relevante é a adaptação das regras. A International Football Association Board (IFAB), entidade responsável pelas regras do futebol, tem revisado normas para incluir o uso do VAR de forma mais transparente. No tênis, as principais entidades já autorizam que o Hawk-Eye substitua os árbitros de linha em torneios inteiros. A modernização é bem-vinda, mas também impõe o desafio de preservar a essência das modalidades esportivas, onde o erro humano sempre fez parte da narrativa.

Spacca

E o torcedor? Esse parece dividido. Se por um lado quer justiça e correção nas decisões, por outro sente falta da espontaneidade do jogo. O grito de gol contido, a celebração interrompida por revisões intermináveis, tudo isso altera a experiência emocional do espetáculo.

Tecnologia precisa ser aliada, e não substituta

No horizonte, vislumbra-se uma arbitragem híbrida, em que humanos e máquinas atuarão de forma complementar. Para isso, será necessário investir em regulamentações específicas, estabelecer critérios de responsabilidade e garantir transparência. A tecnologia deve servir à justiça esportiva, e não substituí-la.

Inspirado no pensamento do jurista José Manuel Meirim, acredito que a tecnologia — inclusive a inteligência artificial — não deve substituir a justiça esportiva, mas pode e deve ser uma aliada na sua realização. Que assim seja: que a IA esteja a serviço do esporte — sem jamais silenciar sua alma.


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