

Opinião
O Ministério dos Portos e Aeroportos encaminhou ao Tribunal de Contas da União, no dia 28 de maio, o processo envolvendo a licitação do Tecon Santos 10 (anteriormente denominado STS-10), que dará origem a contrato de arrendamento para operação do maior terminal de contêineres da América Latina. De acordo com o projeto, o terminal terá capacidade de 3,25 milhões de TEU/ano, demandando investimento total de R$ 6,5 bilhões e ampliando significativamente a capacidade de movimentação de contêineres no Porto de Santos. O prazo original do arrendamento é de 25 anos.
Divulgação Codesp

Em sua proposta, o ministério teria acatado o modelo proposto pela Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários), compreendendo a realização de certame em duas etapas. Na etapa 1, os armadores que operam atualmente no Porto de Santos não poderiam participar da licitação para operar o terminal, sob a justificativa de que seria necessário vedar a concentração vertical.
Caso a etapa 1 restasse deserta (o que é improvável, considerando a atratividade do terminal), seria permitida a participação de armadores incumbentes, desde que promovessem desinvestimento dos ativos atualmente explorados no porto, caso eles se sagrassem vencedores da licitação.
Portanto, a modelagem atual se baseia na introdução de restrição ex ante quanto à participação dos atuais operadores no certame, sob a justificativa de que a concentração verticalizada ocasionaria efeitos danosos à concorrência, considerando que os armadores incumbentes tenderiam a praticar self-preferencing (direcionamento de cargas para terminais controlados por grupos verticalizados), dentre outras condutas anticompetitivas, em detrimento dos demais players.
Concorrência
Um dos aspectos que mais chamam a atenção é que, em meio à sobreposição de atribuições entre os órgãos de controle, a Antaq se arriscou em tema concorrencial que não é novo, valendo-se de sua competência para assegurar isonomia no acesso a instalações portuárias.
O Ministério dos Portos e Aeroportos, por sua vez, afirmou que a decisão sobre a questão concorrencial caberia à Antaq e ao TCU. A indefinição motivou pedido de suspensão do processo pelo subprocurador do Ministério Público junto ao TCU, até que o tribunal delibere sobre o mérito da questão.
A proposta de encaminhamento do diretor-geral substituto da Antaq aponta como motivo para a restrição ex ante a própria opção do poder concedente de realizar licitação em vez de adensar a área do Tecon 10 a um dos atuais incumbentes do complexo portuário, opção que seria contrária à concentração vertical.
Spacca

Ocorre que o certame serviria justamente para promover competição ampla pela proposta mais vantajosa, em detrimento do adensamento de área sem licitação. São cenários absolutamente diversos, sem que se possa extrair qualquer restrição à participação de armadores incumbentes no porto.
Rejeição de proposta para o certame
Em outra passagem decisiva, a proposta rejeitou o formato anterior que a própria Antaq havia cogitado para o certame, com respaldo na Nota Técnica nº 10/2022 do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), segundo o qual seria permitida a participação verticalizada dos armadores incumbentes, mediante a inclusão de cláusulas específicas no contrato de concessão a permitir o monitoramento contínuo de condutas anticompetitivas durante e após o leilão, com a adoção de medidas corretivas em caso de constatação de práticas anticoncorrenciais.
A justificativa da Antaq para a rejeição da solução que havia sido delineada com respaldo do Cade foi a de que a inclusão de cláusulas de monitoramento para mitigar riscos antitruste traria “elevada complexidade regulatória”. Nesse sentido, o monitoramento de regras estabelecendo prazos, preços e níveis de serviços padronizados, de forma a assegurar a igualdade de acesso de terceiros ao terminal exigiria a implementação de “mecanismos sofisticados”, acarretando “grande esforço e desenvolvimento de ferramentas específicas” para capacitação da Antaq a efetivar tais medidas.
Ou seja, mesmo diante da orientação do Cade de que restrições à participação devem ser evitadas se não houver evidência concreta de prejuízos à concorrência, devendo ser introduzidas restrições mínimas e proporcionais, a agência optou por desqualificar os mecanismos recomendados pelo órgão antitruste sob a justificativa de que seria desafiador implementá-los, considerando os “riscos de inovação” envolvidos.
Justificativa insuficiente da Antaq
No entanto, seria legítimo afastar mecanismos recomendados pelo órgão antitruste simplesmente pela dificuldade de implementação, em detrimento de soluções mais restritivas à concorrência?
Parece insuficiente a justificativa da agência para introdução de barreiras ex ante à competição no certame, diante da inegável importância do projeto para a ampliação da capacidade de movimentação de contêineres no Porto de Santos, de forma a fomentar até mesmo a competição intraportos (o porto tem perdido participação de mercado nos últimos anos).
A análise da Antaq não parece considerar a diferença entre risco potencial (que é inerente a qualquer estrutura verticalizada) e a necessidade de comprovação empírica para justificar restrição prévia à competição.
Na ausência de evidências concretas de que a participação ampla de interessados, inclusive de armadores verticalizados, traria prejuízos a outros agentes econômicos, fica claro que a agência adotou postura excessivamente intervencionista em um tema que, embora tangencie sua competência, exigiria, no mínimo, um diálogo fundamentado com o órgão antitruste.
Vale lembrar que o Cade aprovou recentemente a aquisição da Santos Brasil e da Wilson Sons pelos armadores CMA-CGM e MSC, respectivamente, não tendo concluído pela existência de ilícito concorrencial.
O tema aguarda manifestação do TCU, que destacou em decisões anteriores, como no Acórdão 1.834/2024, a importância de que eventuais restrições à participação em certames sejam embasadas em elementos concretos que comprovem distorções concorrenciais ou ineficiências de mercado.