Opinião
Diante da ausência de programas de parcelamentos/anistias abrangentes, como se viu no passado com os Refis, os contribuintes que carregam dívidas tributárias socorrem-se, atualmente, dos parcelamentos ordinários, negócios jurídicos processuais e transações, no intuito de se verem livres da pressão do Fisco.
Embora as três figuras — transação tributária federal, negócio jurídico processual e parcelamento ordinário — sejam mecanismos disponíveis para o contribuinte regularizar a sua situação fiscal perante a União e evitar ou encerrar litígios, elas distinguem-se quanto à natureza jurídica, à formalização e às condições.
O parcelamento ordinário (artigo 10 da Lei nº 10.522/2002) permite o pagamento da dívida em até 60 parcelas mensais, mas sem descontos em multa, juros ou encargos. É acessível de forma automática, sem análise da capacidade de pagamento, e não depende de negociação individual com o Fisco. Sua vantagem é a simplicidade.
Já o negócio jurídico processual (artigo 190 do Código de Processo Civil e Portaria PGFN nº 742/2018) é uma convenção entre as partes que permite ajustar aspectos da execução fiscal — como ordem de penhora, plano de pagamento (número e valor das parcelas), substituição de garantias ou suspensão da exigibilidade. Neste caso, não há remissão de dívida nem descontos, mas proporciona racionalização processual e segurança para o contribuinte, especialmente em casos com medidas constritivas em curso.
Por sua vez, a transação tributária (Lei nº 13.988/2020) é uma modalidade de solução de conflitos que admite concessões mútuas entre Fisco e contribuinte. Ela permite descontos em juros, multas e encargos legais, além de prazos ampliados e uso de prejuízo fiscal e base negativa da CSLL. Pode ocorrer na cobrança da dívida ativa (transação por adesão ou individual) ou em litígios tributários de relevante controvérsia jurídica. Exige análise de capacidade de pagamento do contribuinte e respeita critérios de interesse público.
Assim, enquanto o parcelamento ordinário é rígido e padronizado, a transação é mais flexível, com possibilidade de personalização. Já o NJP visa maior eficiência na condução do processo judicial. Em termos de estratégia, a transação é a mais vantajosa para devedores com dívidas elevadas e dificuldade de pagamento integral, enquanto o parcelamento ordinário é útil para regularização imediata e o NJP atua na gestão de risco em execuções fiscais.
Spacca

Dentre os instrumentos, apenas a transação tributária e o parcelamento ordinário concedem a suspensão da exigibilidade do crédito tributário (artigo 151, VI, do CTN) e a certidão positiva com efeitos de negativa. A assinatura do negócio jurídico processual não goza automaticamente de suspensão de exigibilidade tributária. Assim, pode ser necessário aos contribuintes o oferecimento de garantias/penhoras.
Âmbito penal
Igualmente importante é compreender os impactos da utilização desses institutos nos trâmites dos procedimentos criminais que, muitas vezes, estão em curso paralelamente com as cobranças fiscais e pressionam os contribuintes ao pagamento.
Como se sabe, o artigo 83º, §4º, da Lei nº 9.430/96 prevê que o pagamento integral do débito tributário extingue a punibilidade do agente em relação aos crimes previstos nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/90 e nos artigos 168-A e 337-A, do Código Penal.
E o pedido de parcelamento tributário ordinário – que, se regularmente cumprido, culmina no pagamento integral do débito – suspende o trâmite do procedimento criminal, desde que formalizado antes do recebimento da denúncia, conforme estabelece o artigo 83º, §2º, da Lei nº 9.430/96.
A questão que surge, portanto, é se a transação tributária – instituto que igualmente pode resultar na quitação total do crédito tributário, caso integralmente cumprida –possui ou não o mesmo efeito jurídico do parcelamento ordinário no que diz respeito à suspensão da persecução penal.
Jurisprudência e a Orientação 53/MPF
A jurisprudência, apesar da evidente semelhança entre os dois institutos, não tem admitido a possibilidade de suspensão da ação penal em razão da adesão à transação tributária.
O desembargador Ângelo Roberto Ilha da Silva, da 7ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, no âmbito da Apelação Criminal nº 5013122-91.2016.4.04.7208, indeferiu o pedido de suspensão do processo penal, sob o argumento de que a Lei nº 13.988/2020, que dispõe sobre a transação tributária, não “traz qualquer dispositivo de cunho criminal”, inexistindo, portanto, “amparo jurídico para a pretensão” [1] defensiva.
Entretanto, a Orientação nº 53 do Ministério Público Federal publicada em fevereiro do corrente ano poderá alterar o cenário jurisprudencial até então dominante.
Isso porque a orientação ministerial traz a possibilidade de suspensão de Inquéritos Policiais e Ações Penais que tenham por objeto os delitos previstos nos artigos 1º e 2º da Lei nº 8.137/90 e nos artigos 168-A e 337-A, do Código Penal — cuja data da constituição definitiva tenha ocorrido após a edição da Lei nº 12.382/2011 —, nos casos em que houver formalização de transação tributária antes do recebimento da denúncia criminal.
Essa orientação representa um grande avanço ao estabelecer uma regulamentação para a transação tributária idêntica àquela já existente para o parcelamento ordinário, tanto no que diz respeito à suspensão da persecução penal durante o período em que o acordo estiver sendo cumprido, quanto ao momento processual necessário para a formalização do pedido relativo a esse instituto.
Sendo assim, espera-se que o advento da Orientação nº 53 altere o entendimento dos Tribunais para reconhecer a transação tributária como causa de suspensão da persecução penal, por ser análoga ao parcelamento ordinário.
Com isso, os contribuintes poderão negociar condições mais flexíveis por meio da transação tributária, sem o receio de sofrer sanções penais decorrentes do débito tributário.
Nota:
[1] TRF-4, decisão monocrática, Apelação Criminal nº 5013122-91.2016.4.04.7208, rel. des. Ângelo Roberto Ilha da Silva, j. em 13/12/2024, DJe em 13/12/2024.