

O serviço público pode ser prestado por servidores em regime de teletrabalho integral (TTI) de forma conciliável com o serviço prestado. Não somente pode, deve ser assim quando há possibilidade e até certeza de ganhos para o desempenho do servidor, a instituição e o erário.
Ignorar esse potencial e esperar que ele se confirme por amplos e sistemáticos estudos comparativos, enquanto o TTI não foi nem é ampla e sistematicamente adotado, são dois dos equívocos tratados neste ensaio.
Outros três equívocos tratados são perceber o TTI como risco à cultura institucional ou como regime apropriado a poucos servidores ou, ainda, como destinado a situações raras e circunstanciais.
Esses cinco equívocos de conduta e de percepção, barreiras para a expansão do TTI no serviço público e o alcance dos seus múltiplos benefícios, são tratados de forma individualizada a seguir.
Primeiro equívoco: considerar o TTI como regime laboral de exceção
Nenhum regime de trabalho deve ser considerado regra ou descartado sem justificativa, sendo o interesse público o principal parâmetro para decidir qual modelo adotar. Se o serviço público exige atendimento presencial, o regime presencial deve ser aplicado; caso contrário, o teletrabalho, com suas vantagens econômicas e de desempenho, pode ser a melhor opção.
O TTU está longe de ser um direito do servidor, mas é dever da administração cogitar sua prática constante e abrangente, em vista do seu potencial de proporcionar ganhos ao erário, às cidades, às instituições e aos servidores.
Enquanto ferramenta de gestão que visa otimizar o desempenho funcional, apresentando potencial de múltiplos benefícios, o TTI não deve ser aplicado apenas em emergências, como fora (com sucesso) na pandemia do Covid-19. E o fim dessa pandemia não deveria ensejar eliminação ou redução drástica desse regime laboral.
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No entanto, a Resolução CNJ 481/2022 (1) restringiu o teletrabalho no Judiciário, limitando a 30% o número de servidores que podem adotá-lo integralmente, com base inclusive em uma justificativa inconsistente: o “necessário retorno de magistrados e servidores do Poder Judiciário à atividade presencial em razão do fim da emergência sanitária criada pelo coronavírus – Covid-19”. Logicamente, tratou-se de “possível retorno” e não de “necessário retorno”; confundiu-se a possibilidade de presencialidade para algumas atividades que a exigissem com a necessidade geral de presencialidade.
O TTI não deve ser tratado como algo reservado a situações emergenciais ou eventuais. Ao revés, deve ser ponderada a sua perenidade e até universalidade para o serviço público que o comporte, na busca pelos benefícios recíprocos entre a administração, os servidores e o público usuário dos serviços e visando exponenciar e materializar suas potencialidades.
Segundo equívoco: considerar o TTI como regime próprio de comissionados
Não se pode tratar o TTI como um regime exclusivo ou mais adequado para servidores comissionados no serviço público. Os cargos comissionados, detendo maior flexibilidade jurídica, exigem dedicação integral e exclusiva. Se há algum regime mais adequado para o exercício desses cargos, mais plausível que seja o regime híbrido, especialmente quando seus encargos são de liderança e coordenação e quando as equipes lideradas e coordenadas estão em diferentes regimes laborais.
Raciocínio similar se aplica às funções comissionadas exercidas por quem ocupa cargo efetivo. Ao assumirem carga horária mais elevada e dedicação integral e terem atribuições de comando e supervisão, o regime híbrido ou um regime equivalente ou proporcional aos regimes laborais dos seus coordenados e liderados pode passar a ser o esperado, inclusive para possibilitar relações mais equitativas, adaptáveis e sinérgicas com suas equipes.
Quando as atividades comportam TTI e há demanda por esse regime, aparenta incoerente possibilitar dispensa de ponto e teletrabalho integral às chefias e não o possibilitar aos servidores sob a coordenação dessas chefias.
Essa prática está presente em diversos órgãos públicos, como no Tribunal de Contas da União (TCU). Pelas Portarias TCU 184/2024 (2) e 36/2025 (3), a maioria dos comissionados (quatro tipos de funções comissionadas das seis existentes, incluindo funções com encargos de chefia e coordenação) fica isenta do controle de ponto ou excluída da limitação de pessoal em TTI (20%), enquanto os demais servidores devem comparecer parcialmente de forma presencial, ainda que as atividades dispensem completamente a presencialidade, como é o caso das rotineiras instruções processuais, e mesmo que sob a supervisão de comissionados em TTI.
Se argumentado que a parcial presencialidade auxilia na conservação da cultura institucional, desponta-se a contradição de que a cultura está sendo direcionada apenas ou predominantemente aos não comissionados.
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Enfim, a distinção não se justifica, se mostra contraproducente, contrária aos sensos de equidade, motivação e pertencimento, podendo também gerar problemas práticos como o “presenteísmo” de não-comissionados, as reuniões concomitantes no mesmo ambiente compartilhado por distintas equipes e o risco de a flexibilidade do regime (e não a vocação) se tornar o principal atrativo das funções comissionadas.
Terceiro equívoco: considerar o TTI como risco à cultura institucional
O TTI ou qualquer outro regime de trabalho não representa um risco à cultura institucional. Ao contrário, quando compatível com as atividades do servidor, o regime laboral escolhido tende a fortalecer o senso de pertencimento, satisfação e desempenho.
O verdadeiro risco à cultura institucional não está no trabalho remoto, mas em falhas de comunicação, estratégias desalinhadas e resistência a mudanças. Nesse sentido, problemas como falta de transparência, decisões mal comunicadas, gestores desconectados da missão, valores e metas institucionais e inflexibilidades gerenciais são exemplos de fatores que enfraquecem a cultura e o pertencimento.
Por outro lado, uma comunicação clara e ágil, estratégias bem alinhadas e flexibilidade para mudanças fortalecem a cultura institucional, promovendo colaboração, inovação e bons resultados.
As restrições ao TTI têm-se mostrado pouco transparentes e desalinhadas com a oportunidade de mudanças em prol de economia e do desempenho, o que compromete a cultura e o senso de pertencimento institucionais. Na prática, geram os embaraços de atrasos, retrabalhos e conflitos internos, vulnerabilizando, mais uma vez, o fortalecimento da cultura e do senso de pertencimento.
Ilustram esses embaraços, que ocorrem como causas e efeitos: a volta desnecessária à presencialidade (ainda que parcial), a imposição e dosagem de regimes presenciais ou híbridos sem justificativas, a rigidez dos regramentos, o tempo e recursos gastos com sua operacionalização (sorteios, rodízios, pedágios, controles) e as disputas por vagas para o TTI.
Há também o risco a médio ou longo prazo de perda de confiança da sociedade, que pode questionar a manutenção de estruturas físicas onerosas e desnecessárias, enquanto o TTI poderia reduzir custos significativos e aumentar o desempenho. A inação dos gestores em adotar o TTI de forma mais ampla pode ser vista como fator de desperdício de recursos públicos, prejudicando a imagem das instituições.
Assim, o TTI, longe de ser uma ameaça, enseja oportunidade para modernizar a gestão, reduzir gastos e fortalecer a cultura institucional. Uma gestão proativa e flexível, com foco na colaboração, na confiança, na inovação e no retorno à sociedade, tende a melhorar e ampliar os resultados da instituição.
Quarto equívoco: desconsiderar o potencial do TTI para o erário e as cidades
Não se deve ignorar o potencial do TTI para gerar significativos benefícios econômicos e sociais, tanto para o erário quanto para as cidades. Durante a pandemia, o teletrabalho (amplamente praticado) já demonstrou resultados expressivos, como a economia de quase R$ 1,5 bilhão aos cofres públicos federais em apenas 16 meses e reduções (4) de até 50% nos custos da administração pública federal (5). No entanto, esses dados ainda carecem de sistematização e padronização, além de se restringirem a períodos curtos e contextos específicos.
Apesar dessas limitações, a grandiosidade dos números permite lançar a hipóteses promissoras, como a de que 50% de adesão ao TTI em todo o serviço público teria potencial de gerar economia permanente de pelo menos 1/3 dos gastos com instalações e manutenção, incluindo despesas com eletricidade, água, telecomunicações, aluguéis, contratos terceirizados e outros custos operacionais. A alienação de prédios públicos potencializaria a redução desses gastos, podendo inclusive contribuir para enfrentar a equalização do déficit e da dívida públicas, gerando economias bilionárias ou até trilionárias, considerando todas as esferas do poder público (federal, estadual, municipal e distrital).
Além dos ganhos econômicos, tal expansão do TTI traria benefícios sociais importantes, como a redução do trânsito, da poluição e do adensamento urbano, melhorando a mobilidade nas cidades. O mercado imobiliário também poderia se ajustar positivamente a médio e longo prazos, com a desconcentração de áreas residenciais próximas a sedes institucionais e a maior liberdade de escolha de moradia para servidores em teletrabalho.
A resistência de governantes e gestores em ampliar o TTI reflete uma inércia típica de subdesenvolvimento, onde o avanço vem a reboque e tardiamente e, no caso, o regime presencial é mantido de forma indiscriminada, mesmo quando ultrapassado, desnecessário, oneroso e improdutivo. Essa postura se assemelha a auto boicote, impedindo governos e gestões com resultados mais expressivos e permanentes.
Enfim, expandir o TTI, de forma compatível com as atividades e demandas do serviço público, é oportunidade estratégica para modernizar a gestão pública e gerar impactos positivos amplos e duradouros para os servidores, as instituições, as cidades, o mercado e a economia.
Quinto equívoco: condicionar o TTI a comparativos inviáveis
Não se deve também condicionar a adoção do TTI a comparativos inviáveis entre os regimes presencial, híbrido e remoto, quando tais métricas só podem ser obtidas com a ampla experimentação também do TTI. Como já dito, na pandemia, o teletrabalho demonstrou bons resultados, mas os dados se limitaram àquele contexto emergencial. Para gerar comparações mais robustas, seria necessário que as entidades e órgãos públicos adotassem o TTI de forma mais abrangente e por períodos razoáveis.
O TCU exige estudos comparativos de seus jurisdicionados, mas desestimula o TTI ao normatizá-lo internamente com limitações quantitativas (até 20% dos servidores, como regra geral) e limitações temporais (período mínimo de presencialidade e prazo máximo para retorno ao trabalho presencial/híbrido), conforme supracitada Portaria 184/2024 (2), e ao cogitar tais restrições temporais para os jurisdicionados, conforme tratado nos processos que geraram os Acórdãos do Plenário 526/2025 (6) e 1197/2025 (7).
Essa postura dificulta a obtenção de dados confiáveis, já que o predomínio do regime híbrido não permite uma comparação clara entre os diferentes regimes laborais, particularmente entre o TTI e o trabalho presencial.
Os desejados estudos comparativos seriam bem mais viáveis se os entes públicos estivessem experimentando o TTI em todas as atividades compatíveis, de forma geral ou predominante (ainda que temporária), para criar condições de comparação com os regimes presencial e híbrido. No entanto, mesmo essa abordagem experimental não permitiria medir todos os benefícios do TTI, incluindo a redução de espaços físicos e dos custos associados, que só seriam significativamente alcançados com sua adoção permanente.
Ressalta-se que a adoção plena e permanente do TTI não significaria obviamente sua aplicação indiscriminada. O regime deve ser restrito a atividades conciliáveis, coexistindo com regimes presenciais e híbridos conforme as demandas do serviço público. Além disso, a convivência e colaboração entre servidores devem ser mantidas por meio de reuniões e encontros, sejam virtuais ou presenciais, de forma tanto periódica/sistemática quanto eventual/espontânea.
Conclusão sugestiva
Os órgãos legislativos, judicantes e de controle e governança brasileiros devem possibilitar e praticar de forma mais ampla quanto possível o TTI, mensurando seus resultados e viabilizando estudos comparativos que possibilitem adotar e praticar regimes laborais alternativos que proporcionem o melhor para a administração e o erário públicos (menos gastos com mais desempenho).
Antevê-se, como resultado e desdobramento desses estudos, o TTI capitaneando esses regimes e alcançando significativa economia (redução de instalações e das recorrentes despesas a elas inerentes), com aumento de eficiência, eficácia e efetividade no serviço público, além dos demais ganhos citados neste ensaio.
*A opinião do autor, por óbvio, independe da posição e entendimento dos órgãos citados
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