Abandonada pelo incapaz
A conduta omissa ou negligente do pai que, diante dos abusos praticados pela ex-companheira contra a filha, nada faz, nem demonstra interesse, mostra sua inadequação para a função parental e autoriza a perda do poder familiar.

Perda do poder familiar ocorreu porque pai sabia que mãe inventava doenças para a filha, mas preferiu se omitir
Com essa conclusão, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento a recurso especial para decretar a perda do poder familiar de um pai sobre a filha de 16 anos.
O caso é o de uma menina que, desde os dois anos de idade, foi vítima de uma mãe superprotetora, que inventava doenças para a filha e a submetia a tratamentos desnecessários.
A criança foi institucionalmente acolhida pelo Conselho Tutelar quando tinha dez anos, depois que equipes técnicas concluíram que ela era violentamente mimada em razão da proteção extrema e doentia da mãe.
Em função disso, o Ministério Público do Paraná pediu a destituição do poder familiar de ambos os pais. E a Justiça paranaense concluiu que há prova robusta de que a mãe falhou em seus deveres de guarda e constatou o abandono parental.
Perda do poder familiar
A sentença, confirmada pelo Tribunal de Justiça do Paraná, retirou o poder familiar da mãe, mas não do pai, que se separou quando a criança tinha dois anos e, depois disso, manteve pouco contato com a filha.
O MP-PR recorreu ao STJ, onde teve sucesso. Relatora do recurso especial, a ministra Nancy Andrighi entendeu que ficou configurado o abandono parental, já que o pai deixou de promover o amparo e o cuidado da filha. Isso porque a sentença apontou que ele foi conivente com os abusos perpetrados pela mãe, atuando com descaso e tratando com irrelevância os deveres parentais.
Os depoimentos prestados pelo homem indicam que ele sabia que a ex-companheira inventava doenças para a filha e dava a ela medicamentos de forma exagerada. E ele imputava o “nervosismo” da criança aos remédios.
Vitimização dupla
Para a ministra Nancy, a criança foi duplamente vitimizada: pela mãe, pela superproteção patológica, e pelo pai, que a abandonou, não podendo nele encontrar refúgio contra a crueldade a que era submetida.
“Assim, a conduta omissa e negligente do genitor colocou a vida da filha em risco, demonstrando sua inadequação para o exercício da função parental de forma responsável, caracterizando-se situação de abandono”, disse a relatora.
A ministra aplicou ao caso o artigo 1.638, inciso II, do Código Civil, segundo o qual perde o poder familiar o pai que deixa o filho em abandono.
“Assim, a conduta omissa e negligente do genitor colocou a vida da filha em risco, demonstrando sua inadequação para o exercício da função parental de forma responsável, caracterizando-se situação de abandono.”
O voto ainda acrescenta que a eventual possibilidade de convivência da filha com o pai não está descartada e pode ser avaliada mediante estudo psicossocial.
REsp 2.175.941