O capítulo sobre resseguro na nova Lei de Contrato de Seguro

A promulgação da Lei nº 15.040/2024, que disciplina os contratos de seguro no Brasil, representa um marco regulatório relevante para o setor securitário nacional. Dentre os aspectos mais significativos trazidos pelo novo diploma, destaca-se a sistematização jurídica do resseguro, agora consolidado em seção específica (Seção XI),o que impõe grandes desafios operacionais para seguradoras e resseguradoras, inclusive estrangeiras, que atuam no mercado brasileiro.

O artigo 60 define de forma precisa o contrato de resseguro como um negócio jurídico celebrado exclusivamente entre seguradora e resseguradora, vinculado ao pagamento de um prêmio. Esse instrumento visa garantir riscos próprios da atividade securitária, derivados da celebração e da execução dos contratos de seguro. Com isso, o legislador reafirma a natureza funcional e acessória do resseguro, afastando qualquer relação jurídica entre a resseguradora e o segurado.

A positivação normativa do resseguro confere maior tecnicidade ao seu tratamento legal e reforça a necessidade de se atribuir a ele um regime jurídico próprio, embora indissociavelmente vinculado ao contrato principal de seguro. Essa abordagem torna-se ainda mais relevante diante das novas obrigações introduzidas.

Entre elas, uma das disposições mais controvertidas diz respeito à formação do contrato por silêncio da resseguradora, conforme dispõe o artigo 60, § 1º. De acordo com a norma, o silêncio da resseguradora no prazo de 20 dias contados da recepção da proposta poderá ser interpretado como aceitação. Embora inspirada em práticas de mercados internacionais, tal presunção não é consensual entre os especialistas de direito securitário brasileiros, dado que o ordenamento jurídico nacional, salvo exceções expressas, exige manifestação clara de vontade. Não por acaso, o § 2º do mesmo artigo admite a extensão desse prazo por razões técnicas, sinalizando que o próprio legislador reconhece os limites operacionais dessa construção. Esse tema, aliás, possivelmente demandará futura regulamentação por parte da Susep.

Em consequência da nova lei, os tradicionais slips de resseguro — documentos contendo os principais termos do contrato de resseguro ou retrocessão, tais como, no mínimo, vigência, riscos cobertos e excluídos, âmbito geográfico, capacidade, limites de cobertura e prêmio — terão de ser revisados para se adequar à legislação brasileira. Passam a ser exigidas cláusulas redigidas em língua portuguesa, bem como uma maior atenção à delimitação de coberturas e à necessidade de interpretação favorável ao segurado em caso de ambiguidade contratual. Essa exigência formal representa uma mudança significativa para o mercado internacional, que tradicionalmente utiliza modelos padronizados em inglês e com cláusulas genéricas.

Além disso, a ausência de distinção normativa entre seguros massificados e de grandes riscos — uma omissão fortemente criticada por especialistas — impacta diretamente a atuação das resseguradoras. A limitação do número de pedidos de documentação na regulação de sinistros e a imposição de prazos rígidos para análise e pagamento geram um tensionamento entre as práticas usuais de claims control e follow the fortune, impondo redobrada cautela na redação dos clausulados.

O alcance do resseguro também foi ampliado. O artigo 64 da lei prevê que, salvo disposição em contrário, o resseguro abrangerá a totalidade do interesse ressegurado, o que pode incluir, além da indenização básica, atualização monetária, despesas de salvamento e aquelas despendidas com a regulação e liquidação de sinistros. Essa abrangência exige que os contratos de resseguro explicitem suas exclusões de forma inequívoca, sob pena de se serem invocados a assumir obrigações não previstas originalmente.

Spacca

Em situações excepcionais, como a insolvência da seguradora, a nova lei, por meio de seu artigo 65,permite que a resseguradora realize pagamentos diretos ao segurado, o que, embora atenda ao princípio da proteção do vulnerável, representa alteração substancial do modelo que vem sendo praticado no Brasil até então, que limita o vínculo jurídico ao contrato entre segurador e ressegurador.

Ainda no campo processual, a nova legislação inova ao permitir que a resseguradora intervenha como assistente simples nas demandas judiciais em que a seguradora figure como parte, tal como previsto no artigo 62, § 1º. Essa intervenção, embora limitada, busca preservar os interesses econômicos da resseguradora diante de decisões que possam impactar sua obrigação futura de ressarcimento. Mas veja, o § 2º do mesmo artigo deixa claro que a seguradora não poderá opor ao segurado, ao beneficiário ou ao terceiro o descumprimento de obrigações por parte de sua resseguradora.

Já a obrigatoriedade de notificação da resseguradora em demandas judiciais movidas contra a seguradora primária, como previsto no caput do artigo 62, bem como a vinculação de adiantamentos a pagamentos devidos ao segurado, previsão expressa no artigo seguinte, reiteram a função essencial do resseguro na estabilidade do sistema securitário, mas impõem novos deveres de governança e transparência para as partes envolvidas.

Regulamentação

As novidades são grandes e a expectativa é de que a Susep edite, no decorrer do ano, normas regulamentadoras que mitiguem conflitos, harmonizando a nova legislação com as práticas globais e com as peculiaridades do mercado nacional. Sem esse esforço normativo, entendo que existe um considerável risco de retração da capacidade de resseguro ofertada para riscos brasileiros, especialmente para os grandes riscos, como os seguros de infraestrutura e D&O.

A introdução de um capítulo normativo sobre resseguro na nova Lei de Contrato de Seguro é sim uma conquista institucional que insere o Brasil no mapa das jurisdições modernas em matéria securitária. Contudo, o sucesso de sua implementação dependerá, sem sombra de dúvidas, da capacidade do mercado e do regulador em traduzir os dispositivos legais em práticas contratuais compatíveis com a dinâmica internacional do resseguro.



Postagens recentes
Converse com um advogado