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Há quase dois anos escrevi um artigo intitulado O fator religioso e a cláusula hardship, em que desenvolvi o tema desse mecanismo que permite, nos contratos internacionais, a sua revisão. A cláusula hardship permite a renegociação dos contratos internacionais, em razão de imprevisíveis alterações decorrentes de vários fatores, a saber: religiosos, políticos, econômicos, financeiros ou tecnológicos.
Referidas alterações, para serem consideradas como suficientes para a renegociação contratual, ademais de imprevistas, devem efetivamente causar danos econômicos a um dos contratantes.
Este novo artigo examina a possibilidade de revisão dos contratos de exportação, diante das tarifas extraordinárias impostas unilateralmente pelo governo Trump.
O enfoque recai sobre a aplicação da cláusula hardship em contratos internacionais, com base nos Princípios Unidroit e na Convenção das Nações Unidas sobre Contratos de Compra e Venda Internacional de Mercadorias (Cisg).
A análise parte do reconhecimento de eventos imprevisíveis que alteram profundamente o equilíbrio contratual e avalia os requisitos e os efeitos jurídicos da revisão contratual à luz dos princípios do direito internacional privado.
Cenário de hardship
A imposição unilateral de novas tarifas pelo governo dos Estados Unidos, configura sim um evento com potencial para desequilibrar os contratos de exportação de grãos brasileiros, criando um cenário típico de hardship, já que houve alteração fundamental do equilíbrio econômico do contrato, majoração dos custos, perda de competitividade do produto não prevista, tudo em razão de decisão soberana alheia à vontade do exportador.
Nesse contexto, a cláusula de hardship emerge como um importante instrumento jurídico para a revisão desses contratos, buscando restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro entre as partes.
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A sua aplicação é especialmente relevante em contratos de longa duração, que estão mais expostos às mudanças no cenário econômico internacional.
Os Princípios do Unidroit relativos aos contratos comerciais internacionais, são regras transnacionais de direito implementadas pelo Instituto Internacional para a Unificação do Direito Privado (Unidroit), com o objetivo de se instituir regras de direito privado e preveem a possibilidade de revisão do contrato, reforçando que a hardship pode ser admitida quando eventos supervenientes e imprevisíveis alterem fundamentalmente o equilíbrio do contrato.
E como princípios, não há a necessidade de que estejam expressamente previstos no contrato.
Ainda que a Cisg não contenha previsão expressa da cláusula hardship, sua aplicação é amplamente aceita pela doutrina internacional, sobretudo por meio da interpretação sistemática com os Princípios Unidroit e a cláusula geral de boa-fé (artigo 7 da Cisg, promulgada no Brasil pelo Decreto nº 8.327, de 16 de outubro de 2014).
Possibilidade de renegociação
Nesta medida, é interessante que os exportadores brasileiros, no mínimo analisem detalhadamente os contratos, eventualmente notifiquem os importadores sobre a ocorrência do evento e a possibilidade de aplicação da cláusula hardship, apresentando evidências da onerosidade excessiva e da alteração fundamental do equilíbrio contratual.
Ato contínuo pode-se abrir a possibilidade de renegociação, buscando soluções para adaptar o contrato às novas circunstâncias, como o compartilhamento dos custos adicionais das tarifas ou a revisão dos preços e prazos de entrega. Em caso de previsão contratual ou impasse nas negociações, se for do interesse do exportador, é possível considerar a arbitragem, como meio alternativo de resolução do conflito.
Há, também, registre-se, a possibilidade de acionamento da cláusula pelo importador, a depender do caso.
De qualquer modo, a cláusula hardship representa um instrumento jurídico importante para a proteção dos interesses das partes em contratos internacionais, permitindo a revisão dos contratos em face da imposição unilateral de novas tarifas pelo governo dos Estados Unidos.