STJ altera jurisprudência sobre prazo para compensação tributária


Opinião

No Recurso Especial nº 2.178.201/RJ, a 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça revisou de forma significativa a sua jurisprudência sobre o prazo para compensação tributária de créditos originados de decisões judiciais, impondo uma limitação temporal de cinco anos para a utilização desses créditos. Anteriormente, a própria turma entendia que, uma vez iniciado o processo de habilitação do crédito dentro do prazo de cinco anos, o contribuinte poderia utilizar os créditos até seu total esgotamento, sem qualquer limite temporal.

Agora, com a mudança alinhada ao entendimento da 1ª Turma, a compensação dos créditos deve ser realizada integralmente dentro do prazo de cinco anos, a contar do trânsito em julgado da sentença que reconheceu o direito à compensação.

A justificativa central para essa mudança, conforme expressado pelo relator ministro Francisco Falcão, é que permitir o uso indefinido dos créditos tributários transformaria a compensação tributária em uma aplicação financeira. Os contribuintes teriam o incentivo de postergar o aproveitamento dos créditos, visando a correção pela Selic, que é isenta de IRPJ e CSLL. Para a corte, a ausência de limitação “incentiva o contribuinte a retardar ao máximo o aproveitamento do indébito, corrigido pela Selic, cuja parcela não estará sujeita à tributação, além de privar a Fazenda Pública de qualquer previsibilidade a respeito do efetivo aproveitamento do crédito”.

O trecho da decisão que estabelece a limitação temporal de cinco anos para a utilização dos créditos tributários judiciais, impedindo sua compensação de forma gradual, conforme a dinâmica do fluxo de caixa do contribuinte, não leva em consideração de maneira adequada as práticas de elisão fiscal legitimamente aceitas pela legislação tributária.

Tais práticas visam otimizar a carga tributária do contribuinte por meio do uso estratégico de créditos acumulados, e são amplamente reconhecidas como ferramentas legítimas de planejamento tributário — e por isso que aquece o mercado tributário com aplicação de teses que efetivamente garantem o reconhecimento de abusividades de arrecadação e o recolhimento indevido ou a maior dos contribuintes.

Ao impor essa restrição, a decisão parece negligenciar as estratégias fiscais que contribuintes, especialmente as empresas de maior porte, adotam para gerir seus créditos tributários, de modo a garantir eficiência tributária e a otimização de sua carga fiscal.

Nessa linha, limitar a compensação dos créditos a um prazo fixo de cinco anos desconsidera as especificidades de cada contribuinte, principalmente no que tange a diferenças no fluxo de caixa e na capacidade de absorver tributos mensalmente ou por trimestre. Muitas empresas, ao longo dos anos, acumulam créditos tributários substanciais, frequentemente oriundos de teses tributárias com grande impacto, como as que envolvem a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins e créditos de PIS e Cofins sobre insumos.

Para tais empresas, a utilização gradual e flexível dos créditos é uma ferramenta essencial, alinhada às suas necessidades financeiras e operacionais. Impondo um prazo rígido de compensação, a segunda turma dificulta a gestão de créditos tributários de forma otimizada, comprometendo a liberdade de ação do contribuinte em um contexto econômico que exige adaptabilidade e planejamento de longo prazo.

Spacca

É impensável impor ao contribuinte uma limitação temporal para a compensação de créditos que, originalmente, foram reconhecidos de forma tardia e apenas após extensa morosidade na definição das teses jurídicas. No caso específico da “tese do século”, houve um intervalo de quatro anos entre o julgamento do mérito e a modulação dos efeitos, o que gerou um dificultoso escoamento dos créditos para diversos setores.

Essa situação não decorre de uma postergação intencional ou de má-fé por parte dos contribuintes, mas sim de uma dificuldade prática real em utilizar os créditos dentro de um prazo tão restrito. Portanto, impor um prazo de compensação sem levar em conta esse contexto é desconsiderar as condições reais em que os contribuintes se veem ao lidar com créditos tributários acumulados ao longo de um longo processo judicial, prejudicando-os de forma injusta e sem respaldo nas circunstâncias fáticas.

Ademais, o argumento de que a restrição temporal é necessária para garantir previsibilidade fiscal para o Fisco carece de fundamentação robusta e flerta com a argumentação política e arrecadatória. A previsibilidade do Fisco deve ser alcançada sem comprometer a autonomia tributária do contribuinte, que, dentro dos limites legais, tem o direito de gerenciar seus créditos tributários de maneira estratégica, conforme suas necessidades e a realidade econômica de sua empresa.

Novo cenário impõe uma revisão da governança tributária nas empresas

Ao adotar uma visão mais rigorosa e vinculada a uma necessidade de previsão do ente público quanto à gestão desses créditos, a decisão pode comprometer a harmonia da relação entre o fisco e o contribuinte, além de tornar a compensação de créditos tributários judiciais mais engessada e mais associada ao interesse arrecadatório. Portanto, não é razoável que uma decisão se alinhe aos interesses de previsibilidade de arrecadação da Fazenda Pública, ao impor uma limitação temporal rígida sobre a utilização de créditos tributários, que são um direito legítimo e fundamental do contribuinte.

Tal abordagem desconsidera a natureza do planejamento tributário, que, em sua essência, visa possibilitar a gestão eficiente dos créditos acumulados, de acordo com as necessidades econômicas específicas do contribuinte, e não deve ser moldada para atender, exclusivamente, à previsibilidade da arrecadação fiscal, muitas vezes em detrimento da autonomia financeira e estratégica das empresas.

Ainda, carreado nessa fundamentação, o ministro Falcão propôs o alinhamento ao recente posicionamento jurisprudencial da 1ª Turma e proponho a superação de precedente. Contudo, os julgados mencionados pelo relator abordaram a questão da interrupção do prazo de compensação entre o pedido de habilitação e o deferimento do crédito, o que trata de uma situação completamente distinta da que está sendo analisada neste caso. A base utilizada para justificar a mudança de entendimento e o overruling do posicionamento anterior parece estar fundamentada em uma hipótese que não corresponde à realidade do caso em questão.

Esse novo cenário, sem dúvida, exige uma revisão da governança tributária nas empresas, que precisarão adequar seus processos internos de gestão de créditos para garantir o aproveitamento eficaz dentro do prazo imposto, evitando perdas financeiras substanciais.

 


REsp nº 2178201/RJ: aqui



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