Procedimentos disciplinares da PM gera despesas ao erário


Opinião

A disciplina e a hierarquia são pilares fundamentais das instituições militares. Entretanto, sua proteção não pode justificar a adoção de práticas administrativas ineficientes, desproporcionais ou economicamente insustentáveis. No âmbito da Polícia Militar do Estado de São Paulo (PMESP), observa-se a abertura de procedimentos disciplinares formais para infrações de mínima relevância, como atrasos de poucos minutos (cinco minutos) no horário de serviço, uso inadequado de expressões ou pequenas falhas em protocolos administrativos.

Alex Fernandes/Governo de SP

Dois policiais militares investigados por supostamente manterem relação com o Primeiro Comando da Capital atuavam na escolta de algumas das principais autoridades do Estado de São Paulo,

Esse modelo, ainda fortemente influenciado por uma cultura de controle e repressão comportamental, gera custos diretos e indiretos elevados ao erário, sem retorno institucional relevante. A análise crítica desses gastos revela uma desconexão entre a finalidade do sistema disciplinar e a sua aplicação prática, especialmente quando mobiliza tempo, pessoal e estrutura para situações de ínfimo valor jurídico e administrativo.

Necessário que seja dosada a sanção administrativa, com uma analise criteriosa, considerando a natureza da infração, os danos ao serviço público, as circunstâncias agravantes ou atenuantes e os antecedentes funcionais do militar.

Estrutura formal do procedimento disciplinar militar

Na PMESP, a apuração de transgressões disciplinares segue ritos regimentais definidos pelo Regulamento Disciplinar da Polícia Militar (RDPM) e a Portaria do Comandante Geral nº Corregpm — 1/360/13. Mesmo em casos de infrações leves, como atrasos inferiores a 10 minutos, é comum a instauração de procedimento disciplinar.

Cada procedimento mobiliza:

  1. Oficiais superiores para presidir e relatar o feito;
  2. Equipes administrativas para suporte, tramitação e arquivamento;
  3. A estrutura de controle interno e de corregedoria;
  4. Prazos regimentais, prorrogáveis;
  5. Custos com impressão, energia, transporte, reuniões, notificações.

Trata-se de um gasto público real e mensurável, muitas vezes ignorado em avaliações de eficiência institucional.

Custo oculto da repressão excessiva

A abertura de um procedimento formal por atraso de cinco minutos, por ausência de áudio em uma imagem da câmera corporal que não necessita de áudio para esclarecimento, por uma unha de policial feminina que ultrapassa de maneira ínfima a ponta dos dedos, pode parecer um gesto de rigor disciplinar. No entanto, custos ocultos e ineficiências sistêmicas derivam dessa prática, entre eles:

  • Desvio de função: oficiais deixam funções operacionais, gerencias e estratégicas para conduzir apurações administrativas sem relevância concreta;
  • Perda de moral institucional: militares punidos por faltas ínfimas percebem o sistema como arbitrário e punitivista, o que afeta a coesão interna;
  • Congestionamento da corregedoria: recursos humanos e financeiros são alocados a infrações triviais, em detrimento da investigação de condutas realmente danosas (abuso de autoridade, corrupção, desvio de verba pública, fraudes em licitações, advocacia administrativa…);
  • Custo orçamentário indireto: horas de trabalho desperdiçadas em atividades sem retorno operacional resultam em perda de produtividade institucional.

Estudos de direito administrativo moderno apontam que procedimentos punitivos formais devem ser reservados a infrações com relevância concreta, sob pena de violação ao princípio da eficiência (artigo 37, caput, da Constituição).

No que tange a eficiência e o custo aos cofres públicos, fazendo um paralelo, em artigo publicado por Manoel Messias de Sousa, com título “Quanto custa ao erário cada procedimento disciplinar instaurado?”, ele aborda que segundo pesquisas, uma PAD custa em média R$ 25.023,33.

Spacca

Segundo pesquisa do ilustre professor Léo da Silva Alves, presidente do Centro Ibero-Americano de Administração e Direito, cada procedimento disciplinar custa, em média, R$ 25.023,33. A pesquisa levou em consideração a realização de apenas uma diligência pela comissão fora da sede, em cada oito procedimentos instaurados. Agora, façam as contas, somando-se os 63.503 procedimentos disciplinares citados acima.

Fato que um procedimento disciplinar no âmbito da PMESP não custa todo esse valor, todavia, mesmo que ao final seja gasto R$ 2.000 para a instauração e instrução de um PD, por conta de um atraso de 5 minutos, claramente a administração militar caminha em contrário ao princípio administrativo da eficiência.

Razoabilidade, proporcionalidade e eficiência

O Estado não pode se organizar de modo a sacrificar recursos públicos para manter a aparência de rigor disciplinar em detrimento da racionalidade administrativa. O modelo atual fere:

  • A razoabilidade, ao reagir de modo desproporcional a condutas ínfimas;
  • A proporcionalidade, ao impor o mesmo aparato repressivo a quem comete falta grave e a quem chega cinco minutos atrasado;
  • A eficiência, ao transformar pequenas correções comportamentais em processos burocráticos custosos.

É incontestável que a dignidade do agente público, seja ele militar ou civil, exige um modelo disciplinar racional, proporcional e não vexatório. A cultura do “processo por qualquer coisa” não apenas desrespeita o servidor, mas também onera desnecessariamente os cofres públicos.

Caminhos alternativos: prevenção e gestão inteligente

É possível manter a disciplina sem recorrer a procedimentos formais para cada desvio mínimo. Algumas medidas que poderiam ser implementadas:

  • Advertência verbal registrada informalmente;
  • Plano interno de gestão de condutas com base em feedback contínuo;
  • Capacitação de comandantes para mediação de conflitos e correções pedagógicas;
  • Filtro de relevância jurídica prévio à abertura de qualquer procedimento formal.

Essas práticas já são adotadas em corporações modernas e aumentam a confiança interna, sem abrir mão da disciplina institucional.

Conclusão

A abertura de procedimentos disciplinares na PMESP por condutas ínfimas revela uma lógica punitivista antiquada e economicamente insustentável. Essa abordagem compromete a eficiência administrativa, desvia recursos públicos e desvaloriza a inteligência institucional.

Ao invés de reforçar a autoridade da corporação, a banalização do aparato disciplinar contribui para sua deslegitimação interna e externa. A modernização da gestão pública militar exige não apenas uma revisão normativa, mas uma mudança de cultura organizacional, pautada pela racionalidade, proporcionalidade e respeito ao servidor público como agente essencial do Estado.

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Referências Bibliográficas

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

BRASIL. Regulamento Disciplinar da Polícia Militar do Estado de São Paulo – Lei Complementar Nº 893/01

Portaria do Comandante Geral nº CORREGPM – 1/360/13

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 2023.

JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: RT, 2022.

Sousa, Manoel Messias. Quanto custa ao erário cada procedimento disciplinar instaurado? Publicado em 30/11/2018 aqui

Tribunal de Contas do Estado de São Paulo. Relatórios de Gestão Pública.

Organização dos Estados Americanos. Corte Interamericana de Direitos Humanos – Jurisprudência.



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