

Desde o dia 31 de março, o Tribunal de Justiça de São Paulo iniciou a migração sistemática do vetusto SAJ para o moderno E-Proc, sistema que já está em uso em diversos tribunais como, por exemplo, na Justiça Federal da 2ª, 4ª e 6ª Região, Tribunal de Justiça do Acre, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e no Tocantins.
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O artigo 18 [1] da Lei 11.419/06 faculta aos tribunais regulamentarem a lei naquilo que lhes couber, assim, exclusivamente ao E-Proc e aos processos distribuídos e a serem distribuídos nesse sistema. Em 29 de maio, o Órgão Especial do Tribunal publicou a Resolução 963/2025 [2], que, dentre outros assuntos, dispõe como os processos tramitarão e como se dará a prática dos atos processuais que deve ser observada por todos os usuários.
A intenção com este artigo é chamar a atenção dos usuários aos pontos mais importantes da resolução, esclarecendo algumas questões de cunho técnico e processual, evitando situações que possam, neste primeiro momento de adequação, ocasionar perda de prazos e/ou o não conhecimento de recursos e a ocorrência de outros prejuízos por desconhecimento das regras de procedimento.
Mas sugiro a leitura tanto da resolução como da lei, e fiquem atentos às alterações que poderão ser realizadas pelo tribunal a fim de adequar o uso do E-Proc, uma vez que nem todos os assuntos estão regulados, principalmente no que se refere aos processos em segundo grau.
SAJ x E-Proc
Na verdade, o SAJ nunca foi processo digital, mas sim digitalizado, uma vez que apenas os autos foram desmaterializados, mas a maioria das suas rotinas continuaram manuais, ao passo que o E-Proc tem grande parte automatizada.
Após a distribuição, cada processo terá a sua própria “página”, onde é possível praticar diretamente os atos processuais, acessar documentos e petições, emitir guias, juntar substabelecimentos (que não precisam mais sequer de petição de juntada e muito menos do próprio substabelecimento).
O andamento processual também é absolutamente diferente, já que não existem mais as folhas numeradas dos autos. Agora existem os “eventos”, e cada movimentação gera um evento que recebe um número sequencial que se refere a petições protocoladas, decisões, envio de publicação e todos os atos praticados.
Ao que interessa aos “usuários externos” (todos os que não são servidores do Poder Judiciário, mas, principalmente aos advogados, advogadas, às Defensorias, Procuradorias e Promotorias), na prática, comecemos pelo artigo 9 da resolução, onde fica esclarecido que a migração será gradual e por competências, iniciando em todas as Comarcas pelo Juizado Especial Cível, Colégio Recursal (Turmas Cíveis) e Cejusc, no chamado Ciclo 1.
Posteriormente, a migração abrangerá as competências cíveis, penal, família, idoso, criança e adolescente, fazenda pública etc., cujo cronograma ainda será definido e não necessariamente nesta ordem.
Implementação do E-proc
O artigo 10 deixa claro que, quando houver a implementação do E-Proc na competência e na classe processual da unidade judiciária onde a ação será distribuída, só poderá ser usado esse sistema, assim como as petições intermediárias também deverão ser protocoladas usando o E-Proc se forem destinadas a processos que tramitam nesse sistema. Não é possível ao usuário “escolher” qual usará. É compulsório assim que estiver disponível.
Não serão aceitas manifestações protocoladas em sistemas diferentes. Em outras palavras, as petições destinadas a processos que estão no SAJ devem ser protocoladas nele, e as petições destinadas a processos que estão no E-Proc devem ser protocoladas nele.
Spacca

A inobservância dessa regra pode trazer diversos problemas processuais e materiais. Isto porque, se a petição inicial é protocolada no sistema errado, a distribuição é cancelada posteriormente e o ato é considerado inexistente. Logo, não houve despacho mandando citar o réu. E assim, a prescrição não é interrompida, quiçá a decadência.
Outro problema é a perda do prazo processual. Se a petição intermediária for protocolada no sistema diverso, não será recebida no processo competente em razão da inexistência de interoperabilidade entre o SAJ e o E-proc. Assim, se o prazo escoar, haverá a preclusão temporal.
E mesmo que não esteja abrangida pela resolução aqui comentada, a questão das custas processuais deve ser observada com cuidado, já que a sistemática é totalmente distinta, e será o próprio E-Proc que calculará e emitirá a guia, sendo vedado o uso do Portal de Custas do Tribunal. Primeiro se distribui a ação, depois se paga a Dare que é emitida ao final da distribuição. Se o usuário não observar essa regra, o E-Proc não identificará o pagamento e será necessário efetuar novo pagamento. Apenas em casos específicos de indisponibilidade do sistema é que se poderá tanto distribuir a ação como emitir a guia de outra forma.
Dois sistemas ao mesmo tempo
Um questionamento corriqueiro que todos os advogados e advogadas me fazem nos cursos é: teremos dois sistemas funcionando ao mesmo tempo? Sim. Os processos que estão no SAJ permanecem lá mesmo até que haja migração ou sejam encerrados. Aqui, o artigo 12 deixa claro que essa medida ainda será objeto de regulamentação pela presidência e pela corregedoria, e não há previsão.
A distribuição de cumprimento de sentença, recursos, incidentes e processos dependentes ou conexos relativos a processos tramitando no SAJ deverão ser apresentados e continuarão correndo no SAJ até o seu encerramento, ressalvada a hipótese de migração. Assim, eventual execução de alimentos cujo processo principal tramita no SAJ deverá ser apresentada nesse sistema.
No entanto, em caso de exceção de incompetência, caso haja o reconhecimento e a determinação da remessa dos autos para Juízo, Instância ou Tribunal que ainda não disponha do E-Proc, não há regulamentação sobre como se dará o envio. Contudo, é possível que seja utilizado o malote digital.
A grande novidade é que para entrar no sistema, como para praticar atos processuais, não será necessário o uso do certificado digital. Ele será usado apenas no cadastro do usuário no sistema, segundo o parágrafo único do artigo 19 da Resolução 963/25. Posteriormente, o protocolo das manifestações serão feitas através de assinatura eletrônica (login e senha), que é diferente de assinatura digital (certificado digital e PIN).
Essa prática pode parecer extremamente frágil do ponto de vista da segurança, pois, qualquer pessoa que tenha acesso à sua senha e ao seu login (o login de todos os advogados sempre será o número da sua inscrição na OAB, precedido da sigla do Estado onde é inscrito) poderia acessar o sistema e praticar qualquer ato processual. Todavia, para acesso ao E-proc, é preciso que seja usado um programa de autenticação de dois fatores, impedindo (ou pelo menos dificultando) o cometimento de fraudes e acessos desautorizados. A sugestão é que essa camada extra de segurança não seja desabilitada.
Prazos processuais
Em relação às prorrogações dos prazos processuais que vencerem no dia em que o sistema estiver indisponível, na antiga sistemática do SAJ, as paralisações deveriam ocorrer entre as 6h e as 23h, e superiores a 60 minutos, ininterruptos ou não. Agora, exclusivamente quanto ao E-proc, pelo inciso I do artigo 21, a interrupção deve se dar entre as 12h e 23h, mantidos os 60 minutos.
Se ocorrer qualquer período de indisponibilidade das 23h00min01 às 23h59min59, qualquer minuto ou segundo que seja, o prazo estará prorrogado para o próximo dia útil seguinte, conforme inciso II do mesmo artigo.
Em ambos os casos da prorrogação, o parágrafo 2 aduz que, se for tecnicamente possível, a ampliação poderá ser certificada em cada processo em que ocorrer. Contudo, a sugestão é que o usuário se certifique de que houve a dilatação automática, efetuando, ele mesmo, a consulta e a contagem do prazo.
Mas, de qualquer forma, a orientação que sempre passo para os alunos é que a melhor opção é sempre abrir uma preliminar na petição que seria protocolada e informar ao Juízo sobre a prorrogação e a indisponibilidade, juntando todas as provas desse fato. Não deve ser protocolada petição solicitando a devolução do prazo, mas sim a petição relativa ao prazo.
A resolução, em seu artigo 26, parágrafo 1, continua a cometer um evidente erro que consta na Lei 11.419/2006 e em praticamente todas as nas resoluções de todos os tribunais, e que precisa ser reparado definitivamente. Se o ato processual for praticado no último dia do prazo, serão consideradas tempestivas as petições recebidas integralmente pelo tribunal até as 23h59:59:59…, e não até a 0h00 porque nesse horário estaremos no dia seguinte. Portanto, o prazo será intempestivo se a petição for protocolada exatamente a 0h00.
O parágrafo 3 do mesmo artigo deixa claro que o Brasil, há muito tempo, adotou a teoria da recepção e não a teoria do envio. Ou seja, o que será considerado para fins de tempestividade não é a hora em que ocorreu a conexão do usuário no sistema e nem o momento em que se iniciou a transmissão da peça, mas sim o momento em que o tribunal recepcionou integralmente a petição, momento em que emitirá o protocolo, com dia e horário.
Distribuição de petições
Finalmente, será efetuada a juntada e distribuição automática de todas as petições e processos sem a necessidade de intervenção de qualquer servidor, o que pode ser traduzido em maior celeridade na tramitação, conforme artigo 25. Em razão das limitações do SAJ, o tribunal demorou anos para implementar essa sistemática que já havia sido adotada no PJ-e (único sistema que é utilizado há mais de 10 anos em todos os Tribunais Regionais do Trabalho e no Tribunal Superior do Trabalho) desde a sua implantação.
No tocante aos recursos a serem protocolados, sempre há uma grande confusão sobre qual sistema usar no caso da apelação e do recurso inominado, por exemplo. Pelas regras processuais, esses são recursos são apresentados em primeiro grau para, depois, os autos serem remetidos à instância superior. Assim, o sistema a ser usado é o mesmo em que o processo tramita.
Como ainda não está disponível a distribuição de processos pelo procedimento comum, os agravos de instrumento e outros incidentes relacionados a processo do SAJ, continuam a ser distribuídos no SAJ, na instância correspondente. Contudo, mesmo quando o E-proc já estiver disponível, é preciso saber se o segundo grau já está recebendo processos nesse sistema, do contrário, o antigo sistema deverá ser usado.
Mas os agravos e os recursos inominados que se relacionem aos processos do Juizado Especial Cível que já tenham sido distribuídos no E-proc, estes sim deverão ser protocolados e distribuídos diretamente na página do próprio processo, no botão correspondente, conforme informado no infoeproc 50. [3]
Integração de primeiro e segundo grau
Quando o primeiro e o segundo grau estiverem integrados ao E-proc, a distribuição do agravo de instrumento não será feita em segundo grau como é hoje. Em todas as páginas dos processos haverá uma aba “recurso de medida cautelar (agravo)” e é por ali que a medida será apresentada sem a necessidade de juntada de documentos, sendo desnecessária a comunicação nos autos principais, já que o sistema fará isso de forma automática, mantida a obrigação de recolhimento das custas que devem ser emitidas exclusivamente dentro do sistema.
Agora, uma determinação em relação ao agravo de instrumento é o parágrafo 2 do artigo 34. Quando da apresentação do recurso, há necessidade de se demonstrar na peça do agravo a sua tempestividade, criando uma inovação que não está prevista na lei processual, e que pode trazer prejuízos aos usuários desavisados que não se atentarem para essa exigência, já que, em tese, o tribunal pode não conhecer do recurso.
Porém, me parece que em razão do inciso I do artigo 22 da Constituição, essa determinação seria de questionável constitucionalidade, já que altera normas processuais atualmente em vigor, e essa obrigação não consta na legislação. Não se trata de norma de procedimento, mas sim de norma processual, motivo pelo qual, não seria aplicável o inciso XI do artigo 24.
Sobre o recurso em sentido estrito, caberá ao interessado providenciar a formação dos autos próprios e a sua distribuição por dependência do processo originário. Veja-se que a Resolução não faz distinção entre as hipóteses em que o recurso subirá nos próprios autos (artigo 583), das hipóteses em que haverá formação do instrumento (artigo 587), assim, sugere-se que o instrumento seja apresentado.
A questão das intimações era uma das grande inovações do sistema, já que todas as publicações não seriam mais realizadas no diário oficial, apenas dentro do próprio E-proc, conforme previsto no artigo 9 da Lei 11.419/06. Contudo, o Conselho Nacional de Justiça, através do artigo 11, combinado com o 13 da Resolução 455/22, substituíram essa sistemática e todas passaram a ser realizadas pelo Djen (Diário da Justiça Eletrônico Nacional).
Nesse sentido, a edição 42 [4] do infoEproc, publicada pelo TJ-SP, deixa claro que o painel do advogado, na parte relativa a citações/intimações apresentará os processos com prazo em aberto, mas a contagem do prazo processual para a prática do ato só se dará quando da publicação da intimação no Djen, independente de consulta à integra do ato. Na minha opinião, tal mudança foi prejudicial aos usuários porque, antes, havia o prazo extraprocessual de dez dias para se dar por intimado e o prazo processual iniciar, assim, o usuário escolhia quando e quais abrir. Agora, as publicações são feitas todas no mesmo dia, sem opção de escolha.
Concluindo, são muitas as novidades, o que pode causar um certo desconforto nesse momento, tal como aconteceu com a mudança do papel para o SAJ. Mas em pouco tempo acredito que os usuários perceberão que E-proc é infinitamente melhor em termos de recursos e facilidade de manuseio, e a sua adoção trará grande benefícios em relacionados a agilidade, economia e tempo de duração do processo.