Furto e roubo de celular por indivíduos de bicicleta ou moto


Opinião

Este artigo, após apresentar breves considerações sobre os crimes de furto e roubo, busca trazer algumas reflexões sobre as possibilidades jurídicas (enquadramento e tipificação) que rodeiam a conduta daquele que subtrai o aparelho telefônico de outrem, utilizando-se de uma bicicleta ou motocicleta, de forma repentina e abrupta.

Embora possa parecer um assunto simples para os operadores do Direito, certo é que ante o crescimento vertiginoso dessa modalidade de crime, que vem causando assustadora sensação de insegurança à população, notadamente em grandes metrópoles, indispensável que se faça uma avaliação mais específica e voltada aos tempos e realidade atuais.

Assim, é imperioso que se faça uma análise mais profunda e minuciosa acerca da grave ameaça exigida pelo tipo penal do artigo 157 do Código Penal, para se verificar a possibilidade de enquadramento desses casos como crime de roubo, a fim de que os autores desses crimes possam, então, ser efetivamente responsabilizados por essa conduta que se tornou uma verdadeira praga dos tempos modernos.

Conceito: furto e roubo

O crime de furto, na sua modalidade simples, se configura pela subtração de coisa alheia móvel, para si ou para outrem [1]. Há, ainda, as modalidades do furto majorado, privilegiado e também as formas qualificadas, figuras que se encontram previstas nos parágrafos do artigo 155 do Código Penal.

Para o professor Guilherme de Souza Nucci [2], “furtar significa apoderar-se ou assenhorar-se de coisa pertencente a outrem, ou seja, tornar-se senhor ou dono daquilo que, juridicamente, não lhe pertence.”

No crime de roubo [3], o agente criminoso se vale da grave ameaça ou da violência a pessoa (no roubo simples) para subtrair coisa alheia móvel, para si ou para outrem; ou subtrai, depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência (no roubo impróprio). Assim como no furto, o roubo também possui as formas majoradas e qualificadas.

Nas palavras do professor Nucci [4], “o roubo nada mais é do que um furto associado a outras figuras típicas, como as originárias do emprego de violência ou de grave ameaça”.

Spacca

Feitas essas diferenciações, há que se salientar que, para a reflexão proposta, interessa a figura do furto e do roubo simples (infrações previstas no “caput” dos artigos 155 e 157 do Código Penal).

Diferenciação. furto e roubo

Esses crimes se distinguem, basicamente, pelo emprego de grave ameaça ou violência a pessoa para a subtração de coisa alheia móvel, para si ou para outrem. Havendo a violência física ou moral (grave ameaça), configura-se o crime de roubo; se ausentes, o delito será o de furto.

A grave ameaça é o prenúncio de um acontecimento desagradável, com força intimidativa, desde que importante e séria [5]. Já a violência mencionada no tipo é a violência física empregada contra a pessoa. Tem-se, portanto, que a grave ameaça é tida como a violência moral, e a violência a pessoa, então, a violência física ou real.

Para o tema proposto, vale lembrar, subtração de aparelhos celulares por indivíduos de bicicleta ou motocicleta, o importante é superar a tradicional exegese que gravita em torno da simples análise da grave ameaça, não reduzindo-a apenas a verificação de a violência ser emprega contra a coisa / objeto para então definir que essa conduta deve ser enquadrada como furto.

A ideia é ir além, e analisar se o modus operandi empregado nesses crimes, em que o infrator utiliza uma bicicleta ou uma moto, dirigindo-a em direção a vítima, não seria suficiente para configurar a grave ameaça, considerando sua força intimidativa, ou até mesmo, dependendo do caso concreto, a violência contra a pessoa, se daquela conduta resultar ofensa real a vítima, ambas formas de violência (moral e física) aptas a caracterizarem o crime de roubo.

‘Punguista’: o batedor de carteira ou dinheiro

Algum tempo atrás, o exemplo clássico da doutrina e dos bancos acadêmicos para explicar um caso típico do crime de furto era o do punguista, conhecido como “batedor de carteiras” (embora na modalidade qualificada pela destreza pela habilidade excepcional do agente). Punguear significa furtar (dinheiro, carteira, jóias, etc.) de alguém, nas ruas ou locais de reunião ou grande aglomeração [6].

Nos dias atuais, essa ideia pode ser visualizada nos casos em que há a subtração de aparelhos telefônicos em shows, grandes eventos, transporte público, situações em que os infratores se dirigem para esses locais com a intenção de subtrair celulares sem que sejam percebidos.

Contudo, esses infratores que circulam em grandes avenidas ou bairros nobres — de moto ou bicicleta — de forma voraz em busca de pessoas com telefones celulares não podem ser vistos como aqueles batedores de carteiras de tempos atrás e/ou como “furtadores comuns”. A conduta desses criminosos é visivelmente mais agressiva e intimidatória do que a dos punguistas.

Embora possa parecer se tratar de situações semelhantes, em que a evolução e a tecnologia fizeram evoluir a res furtiva, certo é que a forma como esses crimes são praticados nos dias atuais distinguem-se, sobremaneira, daquele de outros tempos, conforme procurar-se-á demonstrar nas próximas linhas.

‘Trombada’: subtração mediante arrebatamento

Tradicionalmente, doutrina e jurisprudência diferenciam o furto por arrebatamento do roubo com o argumento de que naquele (furto) o ato violento se dirige ao objeto enquanto que no roubo a violência deve se dirigir a pessoa (a vítima).

Nesse sentido, quando o comportamento do criminoso recai exclusivamente sobre a coisa (bem móvel), estar-se-ia diante do chamado “furto por arrebatamento”, que se diferencia do roubo pelo fato de a violência ser empregada contra o objeto, atingindo a vítima apenas em um segundo plano, de forma indireta, é conferir:

“O crime de furto por arrebatamento se diferencia do roubo porque, no segundo delito, o réu dirige a violência à pessoa humana, vítima do crime, sendo a vis corporalis meio de execução para se obter a subtração patrimonial, enquanto que, no furto, o ato violento se direciona ao próprio objeto material a ser subtraído, atingindo apenas eventualmente e de forma indireta a vítima” [7].

Para o estudo do caso proposto (subtração com o uso de bicicleta ou motocicleta), permissa vênia, pensamos se tratar de hipótese distinta, na medida em que para se falar em furto por arrebatamento é indispensável que a violência empregada se dirija – única e exclusivamente – a coisa, sem ensejar qualquer risco à integridade física ou psíquica (devido a intimidação / temor que acaba por se incutir na vítima) da vítima.

Isto posto, tem-se que esses casos de subtração de aparelhos celulares por indivíduos que passam repentinamente de bicicleta ou motocicleta, de forma abrupta, ameaçadora e intimidatória, configura o crime de roubo.

Verifica-se, assim, que o comportamento criminoso ostensivo (e escancarado!) desses indivíduos incute justificável temor na vítima, configurando verdadeira grave ameaça, considerando a intensidade e o agir violento que se verifica na conduta desses infratores.

Jurisprudência

Para traçar um paralelo com o caso proposto para estudo, e refletirmos sobre a possibilidade de mudança de entendimento, cabe pensar naqueles casos em que o indivíduo quebra o vidro de um automóvel parado no trânsito para subtrair um objeto do seu interior, que tradicionalmente é tratado pela jurisprudência como furto qualificado pelo rompimento de obstáculo [8].

Pois bem. Atualmente já é possível encontrar julgado que sustenta entendimento diverso, considerando tratar-se a hipótese do crime de roubo, com o fundamento de que essa conduta é apta a caracterizar a grave ameaça exigida pelo tipo penal do artigo 157 do Código Penal.

A 7ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo já decidiu dessa maneira e condenou, em decisão unânime, um homem que quebrou o vidro do carro da vítima, que estava parada em sinal vermelho e se apoderou de celular, vejamos:

“Inconteste a intimidação sofrida pela vítima, pois a violenta ação delitiva a atinge de surpresa, com estilhaços do vidro atingindo seu corpo e a projeção do réu através da janela quebrada para subtrair, à força, o celular, causando-lhe justificado temor e, assim, restando configurada a grave ameaça perpetrada. O conjunto probatório, em que pese o entendimento diverso, não deixa margem de dúvida que o crime, perpetrado pelo acusado, encontra-se, perfeitamente, subsumindo no tipo penal previsto no artigo 157, caput, do Código Penal, nos termos da denúncia apresentada” [9].

Além desse julgamento do início de 2025, é possível constatar o mesmo sentir em outros julgados do Tribunal Paulista, verbi gratia:

“Réu que, utilizando instrumento para fraturar o vidro do automóvel, subtraiu o celular das mãos da vítima – Autoria e materialidade delitivas nitidamente delineadas – Firmes e seguras palavras da ofendida e policiais, malgrado o titubeio na renovação do reconhecimento, não maculadas pela pueril e escoteira negativa de autoria do réu, reincidente em crime patrimonial – Pleito ministerial para desclassificação para roubo qualificado, pelo emprego de arma branca e, defensivo, para desclassificação para furto qualificado, pelo rompimento de obstáculo – Descabimento – Uso de objeto que, embora tenha rompido o obstáculo à subtração, serviu também para reduzir a vítima à impossibilidade de resistência – Recursos desprovidos, mantida a r. sentença tal qual lançada” (Grifo do articulista).

Destarte, é possível perceber que o modus operandi empregado pelo infrator para o cometimento de um crime, que reduz e/ou dificulta a capacidade de resistência da vítima, atingindo-a de surpresa e causando-lhe justificado temor, devido a proximidade física imediata, é suficiente para configuração da grave ameaça exigida para a configuração do crime de roubo (tal como ocorre nos casos em que o infrator avança de moto ou bicicleta contra a vítima).

Conclusão

Com o trabalho que ora se apresenta, buscou-se oferecer parâmetros e ideias para que o leitor/leitora possa refletir sobre a controvérsia existente e as tipificações que permeiam um crime tão atual e que vem causando enorme sensação de insegurança nas grandes cidades do país: a subtração de aparelhos celulares por indivíduos de bicicleta ou motocicleta.

Após apresentar breves considerações sobre os crimes de furto e roubo, e a diferença primordial entre essas infrações penais, buscamos desenvolver um raciocínio no sentido de que essa conduta pode (e se crê deva) ser enquadrada como roubo.

Para justificar tal entendimento, buscou-se demonstrar que o indivíduo que se dirige/avança na direção de outrem, com a utilização de uma bicicleta ou uma moto, de forma repentina e abrupta, com proximidade física direta, com o fim de subtrair um bem móvel alheio (celular), comete o crime de roubo, previsto no artigo 157 do Código Penal.

Com esse escopo, foi sustentado que esse modus operandi do criminoso reduz e/ou dificulta a capacidade de resistência da vítima, atingindo-a de forma inesperada e, com isso, causando-lhe justificado temor, suficiente para configuração da grave ameaça exigida pelo tipo penal para a caracterização desse crime mais grave (de roubo ao invés de furto).

Evidente que, se a partir da utilização da moto ou bicicleta, o indivíduo vier a lesionar a vítima, também restará configurado o crime de roubo, devido a violência física contra a pessoa, outra elementar desse crime (além da grave ameaça).

 


[1] Art. 155 – Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel:

Pena – reclusão, de um a quatro anos, e multa.

[2] Nucci, Guilherme de Souza; Código penal comentado – 10ª ed. Ver., atual e ampl – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, pág. 733

[3] Art. 157 – Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência:

Pena – reclusão, de quatro a dez anos, e multa.

[4] Nucci, Guilherme de Souza; Código penal comentado – 10ª ed. rev., atual e ampl – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, pág. 752

[5] Nucci, Guilherme de Souza; Código penal comentado – 10ª ed. rev., atual e ampl – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, pág. 753

[6] FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda; Novo dicionário da língua portuguesa, 2ª ed., rev., aumentada, 28º impressão, Editora Nova Fronteira, 1986, pág. 1418

[7] Aqui

[8] Informativo 532 do STJ

[9] Aqui


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