Opinião
Em casos de processos multitudinários, nos quais havia recurso especial de uma entidade representativa de servidores e da União, deparei-me com uma série de decisões monocráticas que determinaram a devolução dos autos ao tribunal de origem para que processo permanecesse suspenso até a publicação do acórdão paradigma, unicamente em razão da matéria trazida no recurso especial da União, que versava sobre a fixação de honorários advocatícios, controvérsia tratada no Tema 1.255/STF [1].
Ocorre que o recurso especial da entidade representativa versava sobre a inexistência de prescrição, reconhecida pela instância de origem no âmbito de diversas execuções coletivas, de modo que se trata de recurso especial cuja matéria de direito é autônoma em relação àquela afetada ao Tema 1.255/STF, razão pela qual se afigura desarrazoado e desproporcional a suspensão do processo em sua totalidade.
Na verdade, seria salutar e mais produtivo que o Superior Tribunal de Justiça analisasse primeiramente o recurso especial da entidade representativa, pois, caso provido, fulminaria o direito da União aos honorários sucumbenciais e, por consequência, a desnecessidade da aplicação da tese a ser fixada no Tema 1.255/STF.
Nessa esteira, caso o STJ decida por continuar mantendo a decisão de devolução dos autos à origem, para que permaneça sobrestado aguardando o julgamento do Tema 1.255/STF, advoga-se que tal decisão viola inexoravelmente o preceito fundamental da razoável duração do processo [2], fruto da Emenda Constitucional nº 45/2004, que procedeu a uma ampla reforma no Poder Judiciário.
Segundo a doutrina [3] [4], o princípio da razoável duração do processo preconiza que o processo se desenvolverá sem dilações e interrupções indevidas, devendo, ao mesmo tempo, observar os preceitos constitucionais como o contraditório, ampla defesa e o devido processo legal, sem que se descuide da celeridade do procedimento, diminuindo a burocracia processual, eliminando as diligências inúteis, proporcionando maior acessibilidade ao cidadão à efetiva tutela jurisdicional, de modo que deve demorar o estritamente necessário para a produção de seus resultados.
Ou seja, sobrestar o andamento de um processo inteiro devido a uma única matéria de direito afetada ao rito da repercussão geral, negligenciando-se o prosseguimento das discussões referentes aos pedidos sem qualquer relação com o motivo da suspensão, de forma a retardar a apreciação do mérito, in casu, a inexistência de prescrição, é completamente injustificável e representa uma interrupção indevida, o que afronta o princípio da razoável duração do processo.
Nesse contexto, a interrupção revela-se indevida, também, por não haver, no âmbito do Tema 1.255/STF, qualquer ordem de suspensão nacional dos processos envolvendo a mesma controvérsia, conforme afirmado pelo Supremo Tribunal Federal, no bojo da Reclamação 67.129/DF [5].
Jurisprudência e doutrina
Ademais, sobre o tema, constata-se que o STJ possui robusta jurisprudência no sentido de que o reconhecimento de repercussão geral, no âmbito do STF, em regra, não impõe o sobrestamento do trâmite dos recursos nesta corte. Nesse sentido: AgInt no REsp: 2058911 SC 2023/0083502-6, relator.: ministra Regina Helena Costa, data de julgamento: 22/4/2024, T1 – 1ª Turma, data de publicação: DJe 25/4/2024. AgRg no RE no AgRg nos EDcl nos EDcl no REsp 1.170.596/MG, rel. ministra Laurita Vaz, Corte Especial, julgado em 26/02/2015, DJe 12/3/2015. AgRg na AR 5.373/RN, rel. ministro Mauro Campbell Marques, 1ª Seção, julgado em 14/8/2014, DJe 18/08/2014. Declaração rejeitados (EDcl no MS 17.774/DF, rel. ministro Sérgio Kukina, 1ª Seção, julgado em 28/5/2014, DJe 2/6/2014.
Spacca

Destarte, infere-se que afigurar-se-ia viável o sobrestamento parcial do processo, apenas no que tange à matéria de direito honorários advocatícios de sucumbência, trazida no recurso especial da União, permitindo a análise do recurso especial apresentado pela entidade representativa. Nessa linha, destaca-se que a II Jornada de Direito Processual Civil/CJF editou o seguinte enunciado:
“Enunciado 126: O juiz pode resolver parcialmente o mérito, em relação à matéria não afetada para julgamento, nos processos suspensos em razão de recursos repetitivos, repercussão geral, incidente de resolução de demandas repetitivas ou incidente de assunção de competência” (grifos do articulista).
Sobre o tema, traz-se à baila a lição de Élio Wanderley de Siqueira Filho (Comentários ao enunciado nº 126 da Jornada de Direito Processual Civil/CJF. In: Koehler, Frederico Augusto Leopoldino [et al.] (Coord.). Enunciados das Jornadas de Direito Processual Civil do Conselho da Justiça Federal (CJF): organizados por assunto, anotados e comentados. Salvador: Juspodivm, 2019, p. 176.):
“Assim, não há efetivamente, obstáculo ao julgamento parcial, se o pleito apreciado não disser respeito, direta ou indiretamente (por prejudicialidade), ao tema afetado às sistemáticas de repercussão geral, recursos repetitivos, incidente de resolução de demandas repetitivas ou incidente de assunção de competência, que tenham sido objeto de sobrestamento” (grifos do articulista).
No mesmo sentido, dispõe o Enunciado nº 205 do Fórum Permanente de Processualistas Civis:
“Enunciado 205: (art. 982, caput, I e §3º) Havendo cumulação de pedidos simples, a aplicação do art. 982, I e §3º, poderá provocar apenas a suspensão parcial do processo, não impedindo o prosseguimento em relação ao pedido não abrangido pela tese a ser firmada no incidente de resolução de demandas repetitivas. (Grupo: Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas e Assunção de Competência)” (grifos do articulista).
Diante do exposto, infere-se que viola o princípio da razoável duração do processo o sobrestamento integral dos autos que obstaculiza o prosseguimento das discussões referentes aos pedidos sem qualquer relação com o motivo da suspensão e que não guardem relação de prejudicialidade, representando uma dilação indevida, revelando-se possível e razoável o sobrestamento parcial em tais casos, em homenagem aos princípios processuais da economia e da efetividade.
[1] Tema 1.255 – Possibilidade da fixação dos honorários por apreciação equitativa (artigo 85, § 8º, do Código de Processo Civil) quando os valores da condenação, da causa ou o proveito econômico da demanda forem exorbitantes.
[2] Art. 5º, LXXVIII – “A todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”
[3] O princípio da duração razoável do processo, pois, impõe que o processo dure “o mínimo, mas também todo o tempo necessário para que não haja violação da qualidade na prestação jurisdicional”. Em outras palavras, por força da garantia de duração razoável, o processo não pode demorar nem um dia a mais, e nem um dia a menos, do que o tempo necessário para produzir um resultado justo (entendido este como o resultado constitucionalmente legítimo). TAVARES, André Ramos. Reforma do Judiciário no Brasil pós-88. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 31.
[4] A garantia de duração razoável do processo deve, pois, ser compreendida como a garantia de que o processo se desenvolverá sem dilações indevidas, não demorando mais (nem menos) do que o necessário para a produção de resultados justos, conformes com o ordenamento jurídico. A questão que se põe, então, é a seguinte: como obter este resultado, de modo a construir-se um sistema de prestação de justiça civil eficiente (CÂMARA, 2017, p. 87)
[5] No caso, não subsiste hipótese de cabimento da reclamação, tampouco viabilidade de sobrestamento do processo junto à origem, haja vista que o Tema RG nº 1.255, submetido à sistemática da repercussão geral, não contém qualquer ordem de suspensão nacional dos processos envolvendo a mesma controvérsia.