

As concessões de parques urbanos vêm se tornando cada vez mais frequentes entre os municípios brasileiros. No âmbito do município de São Paulo, por exemplo, diversos parques municipais foram objeto de contratos de concessão recentes. Em 2020, o parque Ibirapuera, o mais tradicional da capital paulista, foi concedido à Urbia Parques, que também assumiu mais um lote de parques menores (na forma de subsídio cruzado). Em 2023, por sua vez, o Consórcio Borboletas assumiu integralmente a gestão dos parques Trianon e Mário Covas.
Prefeitura de São Paulo

Ainda, em maio de 2024 o município de São Paulo publicou edital para implantação do Parque Municipal Campo de Marte; neste caso, um projeto de transformação de uma área municipal de 406 mil m² destinada a atividades recreativas, esportivas, educacionais e socioculturais, isto é, um parque totalmente novo. O projeto pretende devolver a qualidade ambiental ao espaço, já que passará a contar com a recuperação e preservação de 266 mil m² de área verde. O contrato de concessão foi assinado em janeiro deste ano com o Consórcio Cântaro SP, que será responsável pela implantação e operação do parque pelos próximos trinta e cinco anos. É previsto um investimento total estimado de 202 milhões de reais, com um custo operacional anual de 24 milhões de reais e receita bruta anual de R$ 57 milhões [1].
No âmbito do município do Rio de Janeiro, por sua vez, o poder público municipal assinou recentemente o contrato de concessão do Jardim de Alah, parque localizado entre Ipanema e Leblon. O consórcio vencedor deverá investir mais de R$ 110 milhões em melhorias no espaço e R$ 20 milhões por ano em manutenção e operação ao longo do contrato de 35 anos. [2] Neste caso, o contrato prevê diversas melhorias no parque urbano, como, por exemplo, a previsão de 93,6 mil m² de área renovada, incluindo a recuperação de jardins com o incremento de 40% das espécies de árvores e a implantação de ciclovias. O valor da outorga paga ao município pelo consórcio vencedor da licitação foi de R$ 18,4 milhões.
Vantagens
Caso mais recente é o verificado no município do Recife. Em fevereiro deste ano, a prefeitura e o Consórcio Viva Parques Recife apresentaram detalhes do projeto de concessão que garantirá a gestão, manutenção e operação dos parques da Jaqueira, Santana, Apipucos e Dona Lindu. O modelo prevê um investimento de R$ 413 milhões ao longo de trinta anos de contrato [3] com a criação de vagas de emprego e novas oportunidades. A concessão em questão teve efeitos imediatos. Poucos dias após o início das operações foi observada, por exemplo, uma loja itinerante da Natura no Parque da Jaqueira [4]. Por sua vez, as soluções tarifárias contidas no contrato em questão parecem, em um primeiro momento, estar surtindo algum efeito para fins de remuneração do parceiro privado.
Uma das indiscutíveis vantagens que o modelo da concessão proporciona consiste na revitalização de espaços públicos que não poderiam receber o mesmo investimento dos municípios, como é o caso do Parque Jardim de Alah. O espaço continuará sendo um parque público, com acesso gratuito à população, apesar de a gestão do ativo ser repassada à concessionária. Possibilita-se, assim, a realização de relevantes investimentos e a manutenção de parques que, em muitos casos, a exploração direta por parte dos municípios não é considerada suficiente e adequada.
Além disso, no caso da concessão do Parque Ibirapuera, a Prefeitura de São Paulo aponta uma economia de R$ 34 milhões por ano para os cofres públicos. Sem dúvidas, trata-se de um montante relevante que ficará disponível para outras atividades de cunho essencial, o que é de grande relevância no contexto dos municípios brasileiros, caracterizado, em sua grande maioria, pela escassez de recursos públicos para atendimento suficiente das necessidades dos cidadãos.
Há ainda o caso de espaços públicos inutilizados atualmente e que são concedidos para implantação de parques (projetos greenfield), como é o caso do Parque Municipal Campo de Marte. Em tal caso, com a implantação efetiva do parque prevista para o quarto ano do contrato, a concessionária ficará responsável pela gestão, operação e manutenção dos equipamentos que serão implantados, além da oferta de atividades de interesse coletivo abertas à população. Os benefícios deste modelo são evidentes, eis que permite a harmonização das funções ambientais do espaço com o seu uso pela população em atividades esportivas, culturais e de lazer.
Desafios
Por outro lado, alguns pontos do modelo da concessão de parques urbanos devem ser colocados em discussão, como o longo prazo de 35 anos do contrato e o risco de desvirtuamento das características originais dos parques, especialmente em razão da exploração excessiva de receitas com publicidade nos espaços públicos.
Spacca

Vale dizer, no caso de contratos que envolvem grandes e complexas obras, o longo prazo contratual faz sentido para possibilitar a amortização dos investimentos privados que se fazem necessários. Afinal, esta é a lógica precípua de uma concessão: a delegação da execução de um serviço ou bem público para um agente privado, para que execute em seu próprio nome, por sua conta e risco, a fim de viabilizar a realização de investimentos e promover a disponibilização de bens e serviços à sociedade. Para além da amortização dos investimentos, a concessão deve propiciar lucro ao parceiro privado, pois, ainda que o particular execute um serviço em regime de descentralização por colaboração, ele não deixa de ser um investidor e objetiva obter o lucro em razão de um capital investido na prestação do serviço ou bem público.
Por seu turno, no âmbito da gestão de parques urbanos que não necessitam de grandes investimentos e obras significativas, não se justifica um prazo tão largo para a gestão do ativo. Não por outra razão, há críticas feitas no caso da concessão dos parques do Município do Recife no sentido de que o modelo aplicado seria ainda experimental. Neste caso, então, não deveria ter sido celebrado um contrato com prazo de vigência tão largo (30 anos), mas sim com um prazo menor, como o de dez anos — tempo de revalidação do Plano Diretor.
Ademais, no caso da concessão do Ibirapuera, foram verificados atrasos na realização de obras, além da constatação de outros problemas atrelados às obrigações contratuais, como a execução de obras em “APP” sem o devido licenciamento ambiental, o que implicou na aplicação de multa superior a R$ 400 mil à Urbia Parques. [5] A concessionária, por seu turno, atribuiu os atrasos à pandemia da Covid-19. No mês de maio de 2025, o Ministério Público de São Paulo instaurou inquérito em razão do excesso de uso, cobranças por serviços privados e segregação de espaços públicos para fins particulares dentro do Ibirapuera. O MP alega uma exploração predatória e má gestão do parque, entendendo, inclusive, que há possibilidade da adoção de medidas judiciais em face do referido contrato de concessão. [6]
A discussão demonstra a imperiosidade de que as concessões de parques sejam acompanhadas de uma gestão eficiente por parte da concessionária, com planejamento adequado e com a devida análise da matriz de riscos contratual. Demais disso, extrai-se do caso da concessão do Ibirapuera a necessidade de acompanhamento da execução contratual por parte do Poder Concedente, que deve, em conjunto com o particular, adotar medidas em prol do sucesso do modelo concessório. Não menos importante, entes como o Ministério Público, por um lado, não podem renunciar suas atribuições legais, porém, tampouco podem descurar o racional típico de uma concessão; vale dizer, o Parque Ibirapuera atualmente é mantido com recursos privados e, como não poderia deixar de ser, a concessionária visa ao lucro, algo intrínseco e lógico atrelado ao modelo concessório.
Além da questão relacionada ao prazo da concessão, o risco de desvirtuamento das características originais do espaço público, em razão da necessidade de o parque gerar receita e lucro para o particular, consiste em um dos pontos mais críticos do modelo.
Conflito
Ao contrário das concessões de parques naturais, em que a cobrança de bilheteria é admitida e consiste em importante fonte de receita da concessionária, os parques urbanos, como espaços públicos e inseridos no cotidiano das cidades, são gratuitos e, via de regra, não cobram ingresso para entrada. Assim, as empresas dependem de uma certa criatividade para gerar fluxo de caixa e viabilizar o projeto, como, por exemplo, a exploração de publicidade. No caso do Ibirapuera, por exemplo, um dos efeitos mais evidentes da concessão do espaço consistiu no avanço expressivo da publicidade e exposição dos patrocinadores em quadras e academias.
Mas qual é o limite desta publicidade? É razoável, por exemplo, a existência de uma enorme loja de artigos esportivos dentro do espaço de um parque urbano [7]? É razoável permitir a realização de eventos privados no espaço do parque que exijam a compra de ingresso para a participação dos visitantes?
A concessão do Ibirapuera, por exemplo, explora o ativo por meio da realização de shows e eventos; trata-se, pois, de uma opção viável para viabilização de receita à concessionária. O problema surge quando o parque fecha espaços consideráveis para a realização destes eventos. É dizer, há um claro conflito aqui, pois somente quem paga pelo ingresso possui acesso ao evento e, por consequência, ao espaço público. Restringe-se, assim, a utilização do parque urbano pelos cidadãos que não podem pagar pelo evento remunerado.
Assim, a exploração econômica dos parques pelas concessionárias não pode entrar em conflito com as características originais destes espaços públicos. Afinal, a premissa é que não haja bilheteria para assegurar o acesso democrático a espaços públicos. Por sua vez, outras e variadas formas de receitas podem ser exploradas, como atrativos específicos voltados ao lazer urbano e familiar, com a cobrança pelo uso de espaços para instalação de comércio, gastronomia, serviços, auditórios, estacionamentos e demais oportunidades.
Dessa forma, para além da elaboração de contratos detalhados, com a estipulação de regras mais específicas e restritas em relação à exploração da publicidade nos parques e de utilização de espaços públicos para realização de eventos, é necessário que ocorra a fiscalização efetiva destes contratos por parte do poder concedente. Os municípios, afinal, devem estar sempre atentos e vigilantes em relação à execução adequada destes contratos, a fim de permitir que os cidadãos continuem usufruindo de todos os benefícios destes espaços públicos.
Conclusão
A despeito destes pontos mais críticos e que demandam uma atenção especial, a concessão de parques urbanos possui aspectos atrativos e pode ainda ser mais bem explorada pelos municípios, sobretudo em virtude da redução de despesas públicas que o modelo proporciona. Apesar do crescimento das concessões de parques no país, há ainda um grande potencial inexplorado. Há incontáveis espaços públicos disponíveis à implantação de parques e até mesmo áreas urbanas geridas por municípios que se encontram em condições precárias, o que muitas vezes obsta sua utilização adequada pela população.
Enfim, por meio do modelo de concessão de parques urbanos, os municípios podem incrementar a sua infraestrutura, atrair investimentos privados e reduzir os gargalos dos cofres públicos. Porém, são necessárias diretrizes e normas contratuais adequadas para reger tais concessões, que levem em consideração não só as particularidades do modelo contratual, em especial no quesito remuneratório do parceiro privado, mas também o caso específico de parques urbanos, os quais devem possibilitar alternativas à obtenção de lucro pelo particular, sem entrar em conflito com as características destes espaços públicos, para que tais concessões sejam efetivamente viabilizadas na prática.
[7] É o que se percebe no caso da concessão do Parque Ibirapuera, no qual foi instalada uma enorme unidade da loja de materiais esportivos Centauro. Disponível aqui.