Como é o comportamento ético na arbitragem internacional


Opinião

Embora grande parte dos princípios da arbitragem sejam universais (como independência, imparcialidade, competência-competência, autonomia da vontade da parte), surge a pergunta: existe um padrão universal para o princípio ético, princípio este que rege a conduta de árbitros no mundo todo? Ou a ética na arbitragem internacional permanece, em grande medida, condicionada por costumes locais e julgamentos pessoais?

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Idealmente, a resposta seria a primeira. A busca por uniformidade e previsibilidade exige que os árbitros se submetam a códigos de conduta comuns, especialmente em um ambiente onde partes de diferentes culturas e sistemas jurídicos se encontram. Códigos como a “IBA Rules of Ethics for International Arbitrators” e “Uncitral Code of Conduct for Arbitrators in International Arbitration” tentam suprir essa necessidade, oferecendo parâmetros objetivos que promovem a transparência e minimizam riscos de parcialidade. Ainda assim, esses documentos, embora influentes, não possuem força vinculante, são interpretados de maneira distinta conforme o contexto e não regulam todas as questões éticas que um árbitro pode se deparar, como, por exemplo, o dever (ou não) de denunciar suspeita de corrupção.

Focando na diferença cultural, objeto deste artigo, sediar uma arbitragem na América do Sul, na América do Norte, na Europa ou na Ásia pode acarretar diferenças — por vezes significativas — quanto ao entendimento do que é considerado ético. Por exemplo, a prática de “dupla atuação” (atuar simultaneamente como árbitro e advogado em diferentes procedimentos) é fortemente criticada em alguns países, enquanto é tolerada em outros. Da mesma forma, a extensão do dever de divulgação de potenciais conflitos de interesse varia, o que pode gerar inseguranças e alegadas violações de ética dependendo do foro arbitral.

Essas divergências refletem não apenas tradições jurídicas distintas, mas também concepções culturais sobre o que é moralmente aceitável. Em algumas culturas, relações interpessoais e redes de confiança são parte essencial da vida profissional e não necessariamente comprometem a imparcialidade. Em outras, qualquer vínculo prévio pode ser visto como indicativo de parcialidade. Assim, o que é visto como um comportamento aceitável em uma jurisdição pode ser considerado uma falta ética grave em outra.

Independência da arbitragem

Nesse contexto, os árbitros se veem diante de dilemas complexos. Como agir de forma justa e equilibrada quando as expectativas éticas das partes são divergentes? Como manter a independência quando padrões culturais e normativos variam tão amplamente? A resposta a esses desafios está, muitas vezes, na sensibilidade intercultural e na capacidade do árbitro de se orientar por princípios fundamentais universais — como transparência, imparcialidade e boa-fé.

Esse dilema ganha contornos ainda mais profundos quando se reconhece que a ética é o elemento caracterizador da arbitragem. A arbitragem se fundamenta na confiança que as partes depositam nos árbitros escolhidos, e essa confiança está diretamente vinculada à conduta ética de todos os envolvidos no procedimento. A figura do árbitro não é apenas a de um julgador técnico, mas também a de um agente moral, cuja função é garantir a integridade do processo decisório. Como diz um ditado popular conhecido mundialmente, “a arbitragem vale o que vale o árbitro”.

Dito isto, é fundamental que não apenas se reconheça os desafios das diferenças culturais, mas também se aponte caminhos práticos para enfrentá-los. Como bem destacaram Yas Banifatemi e Effie Silva na série Arb in Brief [1], a imparcialidade absoluta pode ser inalcançável devido à condição humana, mas os árbitros têm o dever de agir com rigor ético e autoconsciência para se aproximar desse ideal. A chave está na adoção de práticas proativas que ajudem a mitigar vieses, inclusive os inconscientes, e a fortalecer a confiança no processo arbitral.

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Divulgação de informações

Uma das ferramentas mais eficazes é a divulgação proativa de informações (proactive disclosure). Árbitros devem comunicar, com transparência e boa-fé, quaisquer relações, interesses, opiniões ou experiências passadas que possam impactar sua imparcialidade real ou percebida. Isso inclui vieses de natureza política, religiosa, jurídica ou até mesmo cultural, que muitas vezes operam de forma inconsciente. Como destaca Yas Banifatemi, os árbitros podem e devem enfrentar esses vieses, ou seja, a consciência desses vieses e a disposição para enfrentá-los são responsabilidades inalienáveis de quem atua como julgador.

Além disso, o diálogo constante com os pares do Tribunal Arbitral é uma prática recomendada. Consultas entre árbitros durante as deliberações podem oferecer equilíbrio, perspectiva externa e alertas sobre comportamentos ou premissas enviesadas. Nesse mesmo espírito, ferramentas como revisões entre colegas, reflexões individuais periódicas e uma cultura de integridade colaborativa ajudam a manter a independência de julgamento.

Outro aspecto essencial é a adoção incondicional de padrões éticos internacionais. O caráter internacional da arbitragem exige que soluções locais e idiossincráticas sejam superadas em favor de valores compartilhados pela comunidade global. Normas como as Diretrizes da IBA sobre Conflitos de Interesse demonstram que é possível construir uma referência ética supranacional, capaz de orientar decisões, ainda que o procedimento seja sediado em contextos jurídicos diversos. O respeito a costumes locais pode ser considerado, mas jamais deve comprometer princípios fundamentais como devido processo, imparcialidade e transparência.

Por fim, a integridade do procedimento deve ser preservada em todas as fases da arbitragem. Em casos mais sensíveis — como o emblemático Yukos v. Russian Federation [2] —, é indispensável que os tribunais arbitrais atuem com coragem institucional: mantendo a transparência com as partes, rejeitando influências políticas ou econômicas e afirmando, sempre, a natureza internacional e autônoma do processo arbitral. O caso em questão envolvia questões geopolíticas delicadas, como sanções, soberania estatal e interferência judicial. A condução do caso tornou-se referência pela habilidade do tribunal arbitral em lidar com pressões externas e garantir o devido processo mesmo em um cenário altamente politizado.

A confiança nas instituições arbitrais depende dessa postura firme diante das pressões visíveis e invisíveis que frequentemente permeiam disputas de alto impacto.

Dever ético não é apenas do árbitro

Por fim, cumpre pontuar que, apesar de ser extremamente relevante para seu sucesso, a arbitragem não depende exclusivamente da postura do árbitro, o dever ético é responsabilidade de todos os que integram o procedimento — partes, advogados, câmaras arbitrais, peritos, testemunhas. A falta de compromisso com a ética de qualquer um dos partícipes pode afetar o procedimento como um todo, de modo que todos os envolvidos na disputa devem zelar pela transparência e condução do processo de arbitragem com integridade e justiça.

A atuação ética coletiva é o que sustenta a legitimidade e a eficiência do sistema arbitral. O sucesso da arbitragem está diretamente relacionado à convergência de boas práticas por todos os envolvidos.

Cabe à comunidade arbitral seguir debatendo, aprimorando e difundindo boas práticas que fortaleçam a confiança no sistema, sem perder de vista a pluralidade que caracteriza o mundo contemporâneo.

 


[1] Episódio 11 da Temporada 4

[2] A Yukos foi criada como uma sociedade anônima em 1993 e privatizada em 1995, com operações no setor de petróleo e gás. Em 2002, era a maior empresa russa no setor e listada como uma das dez maiores empresas de petróleo e gás do mundo por capitalização de mercado. Os requerentes alegaram que, a partir de julho de 2003, a Rússia tomou uma série de medidas que levaram à declaração de falência da Yukos em agosto de 2006.


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