

Opinião
Mesmo com avanços legais, mais da metade das trabalhadoras permanece na informalidade. Raça, gênero e classe se entrecruzam por sendas que culminam sempre na desigualdade social brasileira. A formalização demorou a chegar, mas, instável, enfrenta a informalidade que a acomete ainda mais fortemente. A promulgação da Lei Complementar 150, de 2015, representou uma conquista histórica para as trabalhadoras domésticas no Brasil. Pela primeira vez, direitos básicos como férias remuneradas, FGTS, seguro-desemprego, adicional noturno e uma jornada máxima de 44 horas semanais foram garantidos legalmente à categoria.
Agência Brasil

Mas após uma década, a realidade mostra que isso ainda não passa de uma grande falácia que não saiu do papel. A redução dos vínculos formais foi observada em quase todos os estados, exceto em Roraima, Tocantins e Mato Grosso. As maiores quedas ocorreram no Rio Grande do Sul (-27,1%), Rio de Janeiro (-26,1%) e São Paulo (-21,7%), de acordo com o Sumário Executivo da RAIS/eSocial, divulgado pelo Ministério do Trabalho e Emprego. Isso representa um claro retrocesso em relação à regulamentação da profissão.
A reforma trabalhista aprofundou a fragilidade dos vínculos entre patrão e subordinados. Em 2017, no Governo Temer, aprovou-se a Lei 13.467, que piorou o cenário dessa classe de trabalhadores. Embora essa regra tenha sido apresentada como modernizadora, propagou-se um verdadeiro retrocesso de direitos, fragilizando ainda mais as relações laborais, inclusive no setor de serviços.
Como a reforma alterou mais de 100 artigos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), tudo o que está previsto explicitamente na Lei Complementar 150 passou a ser regido por novas regras, as quais são mais flexíveis e menos protetoras. O artigo 47 da CLT estipula uma multa de até R$3 mil por empregado não registrado. A mesma norma reduz o valor para R$ 800 em casos de microempresas e pequenas empresas. Não está claro qual valor aplicar no caso dos trabalhadores domésticos. Portanto, está a critério do juiz. Tal ambiguidade contribui para a impunidade e incentiva a informalidade.
Vantagem dos trabalhadores formais
Vê-se que os trabalhadores com carteira assinada recebem, em média, 50% a mais que os informais. Há ainda a garantia de benefícios previdenciários, estabilidade, direitos em caso de demissão e aposentadoria futura. Muitas vezes, para pessoas que vivem em condições miseráveis, ser registrado conforme a CLT representa adquirir mais dignidade, respeito e segurança na velhice.
Mas o perfil dos trabalhadores pouco mudou: 89% dos empregos domésticos formais ainda eram ocupados por mulheres no ano passado, uma leve redução em relação aos 90,5% registrados em 2015. Metade dos vínculos formais continua sendo preenchida por pessoas pretas e pardas.
Spacca

Em 2024, as pessoas negras representaram 54,4% dos vínculos formais no trabalho doméstico. O número de mulheres com carteira assinada caiu 19,6% no período, enquanto entre os homens a redução foi bem menor, de apenas 3,5%, segundo o Sumário Executivo da RAIS/eSocial. A falta de políticas públicas contribui para perpetuar esse quadro. A informalidade é muitas vezes o sinal patente de negligência por parte do sistema, que estrutura o racismo em nosso país, institucionalizando-o.
Trabalho doméstico é invisibilizado
O trabalho doméstico no Brasil ainda é encarado sob uma ótica colonial. As relações laborais tendem a ser naturalizadas pelas partes que a compõem, tornando-a em algo quase familiar. Isso naturaliza a exploração invisibilizando a profissão. A pejotização preocupa muitas pessoas que exercem esse tipo de atividade. Para fugir das obrigações trabalhistas, muitos empregadores exigem que seus funcionários se registrem como MEI (Microempreendedor individual) e que emitam nota fiscal.
Ao forçar esse tipo de acordo, o empregador se exime de pagar direitos a esses indivíduos. Os vínculos permanecem, mas os direitos desaparecem na letra da lei. A valorização do trabalho doméstico reconhece que essas trabalhadoras são essenciais à economia e à estrutura social. Mais do que discutir leis, é necessário garantir sua efetividade, investindo em fiscalização e promovendo educação trabalhista para empregadores e empregadas.
Embora o texto da lei represente um avanço jurídico, a ausência de fiscalização e políticas públicas eficazes tem impedido sua plena efetivação, revelando um descompasso entre norma e realidade. O Brasil segue em dívida com milhões de mulheres que sustentam seus lares por meios que as invisibilizam. A dignidade deve ser direito de todos. É um direito constitucional, humano e urgente.