

É preciso separar o joio do trigo quando se fala das bets, as plataformas digitais que levaram os brasileiros a apostar R$ 30 bilhões nos primeiros quatro meses de 2025. Embora parte delas tenha sido legalizada pelo governo após críticas ao impacto social do jogo e ao uso dos sites para evasão de divisas e lavagem de dinheiro, as bets viraram alvo de uma CPI no Senado.
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As comissões parlamentares de inquérito cumprem uma função relevante à fiscalização pelo Poder Legislativo e contribuem para o controle público de questões que afetam a sociedade brasileira. Na prática, entretanto, vêm sendo usadas como instrumento para criar factoides políticos e, não raro, submeter o imputado a humilhações. Embora dirigidas a apurar fatos determinados, considerados relevantes, as CPIs, na realidade, vivem para estar na ordem do dia das pautas jornalísticas — e, sobretudo, das redes sociais — sob pena de se esvaziar. Não por acaso, a bola da vez da CPI das Bets são os influenciadores digitais.
No atual contexto de transformação digital, as redes sociais se tornaram ferramentas fundamentais tanto para indivíduos que buscam entretenimento e acesso à informação como para organizações interessadas em divulgar seus produtos e serviços de maneira estratégica e inovadora. O papel dos influenciadores digitais entra neste contexto.
A questão de fundo é saber se os tais “influencers” cometem crimes ao usarem seus perfis para divulgarem jogos e apostas, prometendo lucros fáceis. O ato de divulgar uma loteria pode ser criminalizado? Eis aqui a chave para galvanizar a opinião pública se não se separar o joio do trigo, o que é crime do que pode ser meramente falácia — se entendermos que toda a propaganda demanda persuasão com fins meramente comerciais.
A legalização das apostas de quota fixa — aquelas em que o apostador conhece previamente o quanto pode ganhar — se deu com as leis 13.756/2018 (marco inicial que autorizou a exploração de apostas de quota fixa) e 14.790/2023, a chamada “Lei das Bets”. A última estabeleceu regras claras às plataformas, como exigências de compliance, comunicação de operações suspeitas ao Coaf e normas específicas de publicidade.
A partir de então, o Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária incluiu em seu código de diretrizes um anexo dispondo sobre as regras para publicidade neste mercado. Entre as principais proibições do órgão regulador estão associar as apostas ao sucesso e promover ou encorajar o jogo irresponsável.
A regularização, no entanto, não conteve a reação social derivada do abuso ou vício nos jogos. Daí a criação da CPI no Senado, e, de um pulo, o arrolamento dos influenciadores.
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Recentemente, Virginia Fonseca e Rico Melquíades depuseram como testemunhas. Entre os pontos inquiridos, constaram a polêmica “cláusula da desgraça” — que remunera o influenciador apenas quando o apostador perde — e o uso de “contas demonstração” para simular ganhos irreais.
Mas o que, de fato, pode ser considerado crime? Quando o influenciador promove uma plataforma devidamente licenciada pelo Ministério da Fazenda e respaldada pela legislação, não há ilegalidade, nem tipicidade penal. Tampouco se pode falar em dolo — elemento essencial para a configuração de crime — quando o agente acredita estar divulgando algo lícito.
Todavia, há exceções. Se a casa de apostas estiver ligada a esquemas ilícitos e o influenciador atua conscientemente para mascarar práticas como lavagem de dinheiro ou fraudes, pode haver responsabilização criminal — por exemplo, por estelionato (artigo 171 do CP), lavagem de capitais (Lei nº 9.613/1998) ou, dependendo do caso, organização criminosa (Lei nº 12.850/2013).
De igual modo, os influenciadores poderão ser responsabilizados pelo teor de suas publicidades. O Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/1990) estipula que todos os agentes envolvidos na oferta de um produto ou serviço, inclusive quem o divulga, estão sujeitos às normas do código. A legislação criminaliza condutas que podem ter repercussão na atuação de influencers quem divulgam plataformas de “bets”, como: (1) omissão de nocividade ou periculosidade do serviço (artigo 63 do CDC); (2) fazer afirmação falsa ou enganosa (artigo 66 do CDC) e (3) publicidade enganosa e abusiva (artigo 67 do CDC).
Necessária distinção
O tema ainda é embrionário no cenário nacional e será objeto de ampla discussão na sociedade. Alguns países estão mais avançados, neste aspecto, como é o caso da França, que regula a atuação de influencers em redes sociais, impondo multas que podem chegar a R$ 1,6 milhão e pena de prisão em determinados casos.
Se confirmadas condutas criminosas durante a CPI, o relatório final será enviado ao Ministério Público, conforme prevê o artigo 58, § 3º, da Constituição, para eventual responsabilização dos envolvidos. É o que cabe, legalmente. Mais do que vilanizar influenciadores, é necessário distinguir exagero publicitário de dolo penal. E, acima de tudo, fortalecer a fiscalização e a educação digital para que a propaganda de apostas não seja uma nova forma de enganar os consumidores.