Anvisa recua na venda de cannabis em farmácia de manipulação


Opinião

A recente decisão da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de submeter à consulta pública a proposta que autoriza a manipulação de produtos à base de cannabis em farmácias evidencia uma mudança de rumo que levanta questionamentos sobre a coerência e a independência técnica da autarquia. A proposta, anunciada no fim de março, contradiz frontalmente o posicionamento anterior da própria Anvisa, que havia vedado a produção e comercialização desses produtos por farmácias de manipulação, conforme estabelecido na Resolução RDC 327/2019.

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A súbita reversão sugere que a área técnica da Anvisa pode ter sido influenciada por pressões externas — sejam elas de natureza política, midiática ou judicial. Um mês antes da consulta pública, o Congresso já articulava a aceleração da tramitação de projetos sobre o tema. Isso levanta um ponto central: as agências reguladoras devem executar políticas de governo e não criar políticas públicas por conta própria, sobretudo em temas ainda em debate no Legislativo.

Outro fator que pode ter contribuído para essa guinada é o temor de uma eventual derrota no STF (Supremo Tribunal Federal) no tema de Repercussão Geral nº 1.341, que deve julgar a constitucionalidade da Resolução RDC 327/2019. A discussão chegou à corte após o TJ-SP (Tribunal de Justiça de São Paulo) confirmar uma decisão que impedia o Município de São Paulo de aplicar sanções a uma farmácia de manipulação que comercializava produtos à base de cannabis. Segundo o TJ, a Anvisa extrapolou sua competência ao criar distinções não previstas em lei entre farmácias com e sem manipulação.

O ministro Alexandre de Moraes, ao reconhecer a repercussão geral da matéria, destacou que os tribunais estaduais têm se dividido sobre a validade da norma, o que reforça a relevância da análise pelo STF. Para ele, a controvérsia transcende os interesses das partes envolvidas e possui grande impacto político, social e jurídico.

Ao tentar legislar por meio de regulamentação, a Anvisa ignora não apenas os limites legais de sua atuação, mas também o fato de que a manipulação e comercialização de produtos com substâncias controladas, como os derivados da cannabis, exigem rigorosa autorização sanitária. Trata-se de uma questão de saúde pública, que deve ser guiada por critérios técnicos, médicos e científicos — e não por pressões momentâneas ou tendências políticas.

Além disso, a jurisprudência do STJ (Superior Tribunal de Justiça) tem autorizado a importação de sementes de cannabis, seu cultivo e a produção artesanal de medicamentos para uso próprio, com base na necessidade terapêutica dos pacientes. Proibir a atuação das farmácias de manipulação, nesse contexto, fere o princípio da legalidade dos atos administrativos, restringe a liberdade econômica e cria uma reserva de mercado injustificável

Diante disso, é legítimo perguntar: a Anvisa recuou por convicção técnica ou por conveniência política? Em qualquer hipótese, a mudança de posicionamento revela, no mínimo, a urgência de se discutir o papel das agências reguladoras no equilíbrio entre ciência, regulação e política pública.



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