Tributação da advocacia, honorários de sucumbência e ISS


Opinião

Recentemente, a Comissão de Direito Tributário da Ordem dos Advogados do Brasil — Seção Paraná (OAB-PR) se deparou com uma consulta extremamente relevante para a advocacia e, salvo melhor juízo, sem uma clara definição dos tribunais administrativos e judiciais.

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Em nota, entidades repudiam possibilidade de mudança na regra de fixação de honorários

A dúvida do consulente se referia à forma de tributação dos honorários de sucumbência por escritórios optantes pelo Simples Nacional. Em primeiro lugar, se a verba sucumbencial estaria abrangida na base de cálculo do regime diferenciado e, em caso afirmativo, se o ISS — tributo integrante do documento de arrecadação unificada na Tabela IV do Simples — incidiria sobre referido ingresso.

As reflexões passam, inicialmente, pela definição da natureza jurídica dos honorários de sucumbência. O artigo 22 da Lei nº 8.906/1994 estabelece que a “(…) prestação de serviço profissional assegura aos inscritos na OAB o direito aos honorários convencionados, aos fixados por arbitramento judicial e aos de sucumbência”, demonstrando certa conexão entre a prestação do serviço e os honorários de sucumbência.

Todavia, uma análise mais aprofundada revela que não se trata de vinculação ao serviço efetivamente prestado, mas ao exercício da atividade profissional em si [1]. Isso porque, diferentemente dos honorários contratuais, os sucumbenciais não se originam pura e simplesmente de uma obrigação de fazer, mas do êxito em processo judicial cuja natureza preveja a condenação da parte contrária ao pagamento da verba sucumbencial (artigo 85 do Código de Processo Civil).

A conclusão é reforçada pela análise de dispositivos do Código Civil (artigo 594 [2]) e do Código de Defesa do Consumidor (artigo 3º, §2º [3]), os quais estabelecem a ideia de serviço como prestação remunerada e decorrente de relação contratual [4]. Como visto, o recebimento de honorários de sucumbência não se adequa a qualquer desses elementos essenciais, na medida que não se origina de instrumento firmado com o cliente — não decorre da relação jurídica cliente-advogado — e muito menos consiste em remuneração paga por este — ao contrário, trata-se de montante desembolsado pela parte contrária [5].

Assim, é possível concluir que os honorários sucumbenciais (1) não consistem em remuneração direta à prestação de serviços advocatícios, porém, (2) possuem conexão com o exercício da atividade profissional em si — afinal, só possui direito ao recebimento o profissional devidamente habilitado na Ordem dos Advogados do Brasil e que tenha obtido êxito em processo judicial.

Colhidas essas premissas, vejamos a base de cálculo do regime diferenciado do Simples Nacional. De acordo com o artigo 18 da Lei Complementar nº 123/2006, o recolhimento se daria sobre a receita bruta, sendo esta definida no § 1º do artigo 3º como “(…) o produto da venda de bens e serviços nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados, o resultado nas operações em conta alheia e as demais receitas da atividade ou objeto principal das microempresas ou das empresas de pequeno porte (…)”.

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Pelos motivos já expostos, não se pode considerar a sucumbência como produto da venda de serviços ou o preço dos serviços prestados. Todavia, não é possível negar que seja receita que decorre da “(…) atividade ou objeto principal (…)” dos escritórios de advocacia optantes do regime do Simples Nacional.

A conexão com o exercício da atividade profissional é evidente na redação do artigo 22 do Estatuto da OAB (Lei nº 8.906/1994), sendo que o recebimento dos honorários sucumbenciais ocorre somente com a atuação em processo judicial. Apesar de utilizar fundamentos diversos, esse também é o entendimento adotado pelos órgãos consultivos da Secretaria da Receita Federal do Brasil (SRFB), vide a Solução de Consulta Cosit nº 216/2024 [6]).

Incidência do ISS

No entanto, dessa conclusão, outra pertinente reflexão surge: sendo o ISS parte integrante da guia unificada de arrecadação do Simples, deve haver a sua incidência sobre a receita de honorários de sucumbência?

Analisando individualmente o Imposto Sobre Serviços, não é possível vislumbrar a sua incidência quando o ingresso não se origina de uma obrigação de fazer contratualmente estabelecida. Como visto, na verba sucumbencial, não há prestação de serviço ao terceiro sucumbente, mas sim pagamento decorrente da “(…) legislação processual, sem vínculo ou manifestação de vontade” [7].

Trata-se de discussão relevante e pouco debatida até então, referente a eventuais incongruências entre os regimes de incidência do Simples Nacional e dos tributos nele inseridos. Afinal, o que deve prevalecer entre a base de cálculo prevista na LC nº 123/2006 – que determina que todas as receitas da atividade ou objeto principal devem integrar a apuração do Simples Nacional – e a regra-matriz de incidência do ISS, a qual descreve que referido imposto apenas incide sobre a receita da “prestação do serviço”? O caráter optativo e benéfico do primeiro é capaz de sobrepujar o critério material do imposto?

Nos parece que não. O Simples consiste em sistema unificado de apuração e recolhimento visando à simplificação, o que não afasta a incidência individualmente considerada de cada tributo. Em outras palavras, a legislação pode até prever alterações no critério quantitativo (base de cálculo e alíquotas), mas não poderia alcançar determinados fatos econômicos excluídos do critério material dos tributos separadamente considerados.

Um exemplo é dos serviços “exportados” e, portanto, imunes ao imposto, cujas receitas ficam expressamente livres da incidência do ISS. É possível pensar ainda na própria sistemática em que o Simples Nacional foi inserido. Para cada atividade desenvolvida (Cnae), há a aplicação de uma tabela específica, que possui justamente aqueles tributos que incidiriam sobre as receitas principais. Seria ilegal — e certamente ninguém discutiria isso — inserir um Cnae de prestação de serviço em uma tabela com incidência de ICMS.

A mesma lógica deve ser aplicada ao presente caso: não estando os honorários sucumbenciais dentro do âmbito de incidência do ISS, já que não são verbas oriundas da prestação do serviço, tal premissa deve ser respeitada na apuração do Simples, com a exclusão do referido imposto do cálculo unificado.

 


[1] FOLLADOR, Guilherme Broto. OAB-PR. Parecer no processo nº 100581/2023. Comissão de Direito Tributário, 2023.

[2] Art. 594. Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode ser contratada mediante retribuição.

[3]  Art. 3°. Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.

§1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

[4] FOLLADOR, Guilherme Broto. OAB-PR. Parecer no processo nº 100581/2023. Comissão de Direito Tributário, 2023.

[5] GRILLO, Fábio Artigas. OAB-PR. Parecer no processo nº 6.410/2019. Comissão de Direito Tributário, 2019.

[6] Solução de Consulta Cosit nº 216, de 23 de julho de 2024. Brasília, 2024. Disponível aqui.​

[7] GRILLO, Fábio Artigas. OAB-PR. Parecer no processo nº 6.410/2019. Comissão de Direito Tributário, 2019.


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