Referimos em texto anterior sobre a dimensão metódica, pelo perito do juízo, da análise comparativa (juízo técnico de constatação) entre todos os elementos, indivisíveis, de ao menos uma reivindicação independente constante do quadro reivindicatório da patente de um titular (militando o requerente legitimado, seja ele o próprio titular ou um licenciado, em prol do reconhecimento de um juízo jurídico de infração pela magistrada ou magistrado), e as características do objeto (produto e/ou processo) explorado [1] por quem figura como requerido.
Fernando Frazão/Agência Brasil
Antes de se chegar na fase probatória pericial (caso não se esteja em rito de produção antecipada de prova), é concebível que muito já tenha sido discutido pelas partes, unilateralmente, sobre a extensão interpretativa dos elementos das reivindicações, o destrinchamento comparativo pro e contra infração, e mesmo o plano de validade do título inter partes (eis que modo de defesa incidental). Isto tudo depende da apresentação, no momento legalmente permitido dentre o transcurso do processo, de um cenário coerente de “provas documentadas” [2].
Uma pergunta surgiu-nos aqui: a falta de análise comparativa unilateral pela parte requerente quando do protocolo da petição inicial, bem como do seu vínculo como causa de pedir, favorece a inépcia?
É bom que se diga que falta de prova por si só não proporciona inépcia, mas improcedência. Entretanto, visualizemos o seguinte.
O parágrafo primeiro do artigo 330 do CPC [3] estatui as causas concernentes a inépcia: considera-se inepta a petição inicial quando (1) lhe faltar pedido ou causa de pedir; (2) o pedido for indeterminado, ressalvadas as hipóteses legais em que se permite o pedido genérico; (3) da narração dos fatos não decorrer logicamente a conclusão; ou (4) contiver pedidos incompatíveis entre si. Vide também o inciso IV do artigo 337, donde se lê que incumbe ao requerido, antes de discutir o mérito, alegar inépcia da petição inicial. Não se deixe de destacar, ainda, do teor do artigo 321, pelo qual é oportunizada o despacho de emenda para correção da petição inicial.
O artigo 41 da Lei de Propriedade Industrial (LPI) estatui inequivocamente que a extensão da proteção conferida pela patente será determinada pelo teor das reivindicações, interpretado com base no relatório descritivo e nos desenhos. A mera alegação de que o “produto ou processo do réu é muitíssimo semelhante/parecido/igual a patente do autor, ou ao produto ou processo do autor que é patenteado”, por qualquer outro suporte argumentativo que não o teor das reivindicações, afronta o comando estatuído pela norma de direito industrial.
Reivindicação e a rainha das presunções
O mínimo que um requerido acusado de infringir patente precisa saber (a partir da narrativa do requerente) para o exercício do contraditório é (1) como o seu objeto supostamente incorpora, ou implementa, todos os elementos de ao menos uma reivindicação independente do quadro reivindicatório que compõe o título do requerente. Considerando sempre a indivisibilidade das reivindicações [4], quais elementos da reivindicação estão implementados de maneira literal no objeto? Ou ainda, quais de maneira equivalente?; (2) quais os atos previstos como suportes fáticos nos enunciados dos artigos 183 e 184 da LPI estariam sendo praticados. A rainha das presunções [5] no Direito Industrial é a presunção do dano, nunca a presunção do ilícito.
Spacca
Os pedidos de abstenção e indenização relativos à infração devem decorrer de causa de pedir próxima que revele coerência sistemática o artigo 41 da LPI [6]. Portanto, a causa de pedir remota deve consubstanciar à análise comparativa mencionada, mesmo que unilateralmente [7]. Não deveria ser possível concluir juízo de infração a partir da narração fática de mera similitude insossa; ou seja, de um juízo de constatação logicamente fragilizado.
Tramita na primeira instância, em certo estado, uma ação de “infração” de patente cuja causa de pedir remota se ampara em mera similitude. Coloca o requerente, lado a lado na petição inicial, o desenho constante do documento de sua patente e uma foto do objeto do requerido, sem fazer qualquer consideração sobre o teor do quadro reivindicatório que lhe fora concedido (ao requerente); muito menos procedendo à análise comparativa.
Na contestação, uma das preliminares aventadas foi a de inépcia da petição inicial. Envereda propriamente pela inépcia com relação ao pedido de dano extrapatrimonial, mas também enfatiza neste capítulo que o requerente não tratou de indicar como a infração teria ocorrido. O caso tramita ainda incipiente.
Em certas petições iniciais de ações de infração de patentes arrojadas há a preocupação da parte (ou de seus advogados) em tomar excertos de parecer/laudo técnico [8] obtidos com profissional afeito ao domínio da técnica, com a análise comparativa estruturada, para fundamentar a causa de pedir remota e ser distribuído junto à inicial. Pontuam ainda que o documento anexo consiste em parte integrante da inicial.
Mesmo sendo difícil o convencimento da inépcia pelo juízo, esta é uma defesa preliminar que não pode ser relegada à falta de apreciação.
[1] Veja-se os incisos dos Arts. 183 e 184 da LPI.
[2] Cfr. José Henrique Mouta Araújo/Vinicius Silva Lemos. A prova no processo civil brasileiro: da teoria geral às provas em espécie. Londrina: Thoth, 2024. p. 222
[3] Cfr. Marcelo Pichioli da Silveira. “Resenha Forense: CPC comentado. Indeferimento da petição inicial (arts. 330 e 331)”. Youtube, 2021.
[4] Cfr. Denis Borges Barbosa. Da regra da indivisibilidade das reivindicações de patentes no direito brasileiro, 201[?].
[5] Cfr. Raymundo Gama Leyva. Las presunciones en el derecho: entre la perplejidad y la fascinación de los juristas. Cidade do México: Tirant lo Blanch, 2019.
[6] Além de outros pertinentes.
[7] É evidente a necessidade de prova pericial no decurso da ação, a também valorar em juízo técnico (e não jurídico) a análise comparativa procedida pelas partes.
[8] Cfr. Otávio Henrique Baumgarten Arrabal. Pareceres nas causas atinentes a propriedade intelectual, 2023. Brevemente sairá uma segunda versão ampliada deste texto.