Direito às férias proporcionais na dispensa por justa causa


Reflexões Trabalhistas

Em recente decisão da lavra da ministra Liana Chaib, a 2ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho (TST) decidiu que é devido o pagamento de férias proporcionais à empregada dispensada por justa causa, com fundamento na Convenção Internacional nº 132 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).

O acórdão publicado em 25 de março passado, no processo nº TST-RRAg-20774-49.2018.5.04.0013, em sua ementa, dispôs o seguinte:

“(…) II – RECURSO DE REVISTA DO RECLAMADO – APELO INTERPOSTO APÓS A VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017 – FÉRIAS PROPORCIONAIS – DISPENSA POR JUSTA CAUSA – CONVENÇÃO Nº 132 DA OIT — RECOMENDAÇÃO nº 123/2022 DO CNJ – ATO CONUNTO Nº 3/2024 DO CSJT/TST – PRINCÍPIO DA NORMA MAIS FAVORÁVEL – HIERARQUIA NORMATIVA JUSTRABALHISTA – DIREITO DO TRABALHO COMO MICROSSITEMA DE DIREITOS HUMANOS – OVERRULING
Cinge-se a controvérsia em saber se o empregado dispensado por justa causa faz jus ao pagamento de férias proporcionais. O parágrafo único, do art. 146 da CLT dispõe que o empregado dispensado por justa causa após um primeiro período aquisitivo de 12 meses perde o direito ao pagamento de férias proporcionais. No mesmo sentido, foi editada a Súmula nº 171 por este Eg. Tribunal Superior do Trabalho. Porém, a Convenção nº 132 da Organização Internacional do Trabalho, da qual o Brasil é signatário e cujo teor foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 3.197/1999, prevê em seu artigo 4º que “Toda pessoa que tenha completado, no curso de 1 (um) ano duração inferior ao período necessário à obtenção de direito à totalidade das férias prescritas no Artigo terceiro acima terá direito, nesse ano, a férias de duração proporcionalmente reduzidas”. Como se observa da transcrição integral do dispositivo convencional, não há exceções à regra das férias proporcionais, tampouco restrição à sua concessão com base no tipo de dispensa aplicada. Diante do aparente conflito de normas (CLT X Convenção nº 132 da OIT), prevalece o entendimento firmado pelo E. Supremo Tribunal Federal no bojo do RE nº 466.343-1/SP, no qual se conferiu status supralegal aos tratados e convenções sobre direitos humanos, que não tenham passado pelo rito de incorporação previsto no artigo 5º, §3º, da Constituição Federal. Como se extrai do voto vogal do Exmo. Ministro Gilmar Mendes em sede do RE 466.343-1/SP, “os tratados internacionais que cuidam da proteção de direitos humanos” ratificados pelo Brasil “tem o condão de paralisar a eficácia jurídica de toda e qualquer disciplina normativa infraconstitucional com ela conflitante”. O Direito do Trabalho pode e deve ser reconhecido como uma das primeiras expressões dos Direitos Humanos, por ter como objetivo humanizar e dar dignidade às relações de trabalho.  Isso significa que o artigo 4º da Convenção nº 132 da OIT, por ser norma internacional de direitos humanos ratificada pelo Brasil, tem o condão de “paralisar a eficácia jurídica” do artigo 146 da CLT. Além disso, o artigo 27 da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro por meio do Decreto nº 7.030/2009, expressamente determina que “Uma parte não pode invocar as disposições de seu direito interno para justificar o inadimplemento de um tratado”. Assim, não se pode invocar o artigo 146 da CLT para justificar a não aplicação da Convenção nº 132 da OIT. Como acréscimo, o precedente vinculante do E. STF no RE nº 466.343-1/SP é reforçado pelo Pacto Nacional do Judiciário pelos Direitos Humanos, materializado na Recomendação CNJ nº 123, de 7 de janeiro de 2022, que indica aos órgãos do Poder Judiciário “a observância dos tratados e convenções internacionais de direitos humanos em vigor no Brasil e a utilização da jurisprudência da Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH), bem como a necessidade de controle de convencionalidade das leis interna” (grifos acrescidos). Em produção normativa ainda mais recente, o Conselho Superior da Justiça do Trabalho editou o Ato Conjunto nº 3, em 8/1/2024, criando a Assessoria de Promoção do Trabalho Decente e dos Direitos Humanos para monitorar e fiscalizar a aplicação de precedentes do Sistema Interamericano de Direitos Humanos no âmbito do TST. Em cotejo da norma supralegal prevista no artigo 4º da Convenção nº 132 da OIT, com a Recomendação CNJ nº 123/2022 e os fundamentos do precedente vinculante RE nº 466.343-1/SP, é imperativo reconhecer a necessidade de overruling à jurisprudência dominante, que aplica a mera literalidade do artigo 146 da CLT. Isso ocorre porque prevalece no microssistema do Direito do Trabalho a previsão como direito fundamental social o princípio da norma mais favorável ao trabalhador, como expressamente inscrito no caput do artigo 7º da Constituição Federal de 1988. Pelo exposto, é devido o pagamento de férias proporcionais, inclusive na hipótese de dispensa por justa causa do empregado. (…)”

Segundo o artigo 146 da CLT, o empregado tem direito ao pagamento das férias simples ou em dobro, na hipótese de rescisão do contrato de trabalho, qualquer que seja a sua causa.

Assim, o empregador tem o prazo de doze meses, após a aquisição do direito às férias pelo empregado, para concedê-las (artigo 134, CLT), sob pena de ser obrigado a pagá-las em dobro (artigo 137, CLT). O inadimplemento dessa obrigação, após a cessação do contrato de trabalho também gera, para o empregado, o direito ao recebimento em dobro das férias não gozadas tempestivamente (artigo 146, CLT).

Nesse caso, pouco importa se a dispensa ocorreu por vontade do empregado ou do empregador, ou por qualquer outro motivo, pois há que se respeitar o direito adquirido do trabalhador.

Spacca

Entretanto, o mesmo não ocorre com as férias proporcionais, pois, segundo o que estabelece o parágrafo único do referido artigo, havendo rescisão contratual por justa causa, o empregado só fará jus ao pagamento das férias vencidas.

Da análise da legislação nacional, podemos concluir que na dispensa sem justa causa, sempre serão devidas as férias vencidas e proporcionais; já, na dispensa por justa causa, não serão devidas as férias proporcionais, mas apenas as férias vencidas.

Nesse sentido, também dispõe a Súmula nº 171 do TST:

FÉRIAS PROPORCIONAIS. CONTRATO DE TRABALHO. EXTINÇÃO. Salvo na hipótese de dispensa do empregado por justa causa, a extinção do contrato de trabalho sujeita o empregador ao pagamento da remuneração das férias proporcionais, ainda que incompleto o período aquisitivo de 12 (doze) meses (art. 147 da CLT) (ex-Prejulgado nº 51).”

Ocorre que, mesmo antes da ratificação, pelo Brasil, da Convenção n. 132 da OIT, em 1999, os efeitos da extinção do contrato de trabalho sobre as férias, previstos pela legislação nacional, já eram criticados pela doutrina.

José Augusto Rodrigues Pinto taxava o legislador de injusto porque teria associado o direito à remuneração das férias à causa da extinção do contrato, quando a verdadeira associação deveria ser feita com o fato de ter havido prestação de serviços e desgaste orgânico do empregado. Para o autor, não haveria motivos para a “discriminação do empregado mais novo, em face do mais antigo, quando a questão em jogo é a da atividade igualmente desenvolvida num determinado momento.” [1]

Ísis de Almeida, por sua vez, sustentava que não se poderia conciliar o direito às férias com uma punição por atos de indisciplina ou insubordinação, ou qualquer outra falta mais ou menos grave, que justificasse a dispensa, pois o trabalhador, incurso num desses ‘delitos’, não perderia sua qualificação como ser humano, e, como tal, sentiria as mesmas necessidades mentais e físicas do descanso anual. E, complementava:

“O pagamento das férias proporcionais não é uma indenização propriamente dita, mas uma provisão de fundos a fim de que ele tenha um período de tempo pago para ser utilizado descansando. De resto, não é admissível que, na dispensa por justa causa, a lei mande que se lhe pague o período completo, e lhe seja negado o período incompleto. São incompatíveis, juridicamente, as duas disposições.” [2]

A Convenção nº 132 da OIT alterou as regras relativas ao pagamento das férias decorrentes da rescisão do contrato de trabalho, uma vez que desvinculou o direito de férias dos motivos da extinção contratual.

O artigo 11 da norma internacional garantiu o pagamento de férias proporcionais, em qualquer espécie de término do contrato de trabalho.

Deste modo, o caput do artigo 146 da CLT não sofreu nenhuma alteração com a ratificação da Convenção nº 132 da OIT, pois já garantia o pagamento das férias vencidas, simples ou em dobro, na cessação do contrato de trabalho, independentemente de sua motivação.

Por outro lado, o parágrafo único desse artigo, que exige o trabalho do empregado por no mínimo 12 meses, para permitir o pagamento das férias integrais, em caso de dispensa por justa causa, passou a ser incompatível com a norma convencional.

Diante da contradição entre essas normas (o parágrafo único do artigo 146 da CLT e o artigo 11 da Convenção nº 132 da OIT), entendemos que a obrigação de pagar apenas as férias vencidas na dispensa por justa causa foi revogada.

Não à toa, que nesta semana, o Tribunal Pleno do TST acolheu a proposta de afetação do Incidente de Recursos de Revista Repetitivos, proposto pelo Ministro Presidente do TST, Aloysio Silva Correa da Veiga, a fim de dirimir a seguinte questão jurídica: O empregado, dispensado por justa causa, tem direito ao pagamento de décimo terceiro salário e férias proporcionais? [3]

Agora, nos resta aguardar a decisão do Tribunal Pleno de nossa Corte Especializada sobre o tema!

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[1] Curso de Direito Individual do Trabalho. 5. ed. São Paulo: LTr, 2003, p. 431.

[2] Manual de direito individual do trabalho, São Paulo: LTr, 1998, p. 301.

[3] TST – RR: 00200729520235040541, Relator.: Aloysio Silva Correa Da Veiga, Data de Julgamento: 24/03/2025, Tribunal Pleno, Data de Publicação: 07/04/2025



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