o equívoco da consideração de empresas com decisão


Opinião

Em 2021, durante a pandemia da Covid-19, foi editada a Lei 14.148, instituindo o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). O programa criou benefício fiscal de alíquota zero de tributos federais (PIS, Cofins, IRPJ e CSLL) pelo prazo de 60 meses (até 2/2027) para determinadas pessoas jurídicas contempladas por ato do então Ministério da Economia.

Segundo a lei, seriam contempladas pelo programa as empresas que exercessem atividades direta ou indiretamente relacionadas aos setores de eventos, hotelaria, cinema e turismo, incluindo bares e restaurantes (desde que houvesse registro prévio no Cadastur).

Trata-se de importante política de Estado que – hoje se sabe – evitou a insolvência de uma infinidade de pessoas jurídicas abarcadas pelo programa. Mais recentemente, o setor tem se destacado pela geração de empregos.

Uma infinidade de normas foi editada nos anos seguintes à sua criação buscando restringi-lo. Dada a constante instabilidade, houve intensa judicialização, afinal, os contribuintes entendiam que já havia direito adquirido à fruição do benefício fiscal, o qual, por ter sido concedido por prazo determinado e sob condições, não poderia ser livremente suprimido (artigo 178 do CTN).

Confiava-se, pois, na sua manutenção pelo prazo inicial de 60 meses, inclusive por força dos princípios da segurança jurídica, não-surpresa, boa-fé, entre outros.

MP 1.202/23 e a manutenção do Perse

Ao fim de 2023, o atual governo editou a MP 1.202/23, que, de uma vez por todas, intentou colocar fim ao Perse. Todavia, como resultado do esforço empreendido pelos deputados e senadores, foi editada a Lei 14.859/24 que o manteve, ainda que mediante novas exigências.

Entre as diversas inovações trazidas pela novel legislação, cite-se a sua manutenção, em princípio, até 12/2026, e o estabelecimento de um teto de R$ 15 bilhões, que, se atingido, colocaria fim ao Perse no mês subsequente à sua comprovação pelo Poder Executivo, mesmo que antes de 12/26 (artigo 4º-A). Essa cobrança imediata dos tributos, com a revogação do benefício fiscal de alíquota zero, certamente gerará discussões relativas às respectivas anterioridades.

O citado dispositivo legal exige o acompanhamento, pela RFB, do custo fiscal de gasto tributário do Perse, de modo a verificar o atingimento do limite. Um dos seus requisitos é a discriminação, em relatório, dos “valores de redução de tributos que sejam objeto de discussão judicial não transitada em julgado”.

Decisões judiciais e a revogação do programa

Sucede que o mais recente relatório (Nota Cocad/Suara/RFB 50, de 12/3/2025), fundado na Dirbi, considerou no cálculo contribuintes com decisão judicial favorável permitindo o usufruto do Perse. E esse relatório – que aponta o atingimento de R$ 15 bilhões – deu ensejo à edição do ADE RFB 2, de 21/3/2025 (publicado em 24/3/2025), que coloca fim ao Perse a partir do mês de abril.

Spacca

Ademais de a revogação violar o princípio da anterioridade (nonagesimal e anual), havendo recente precedente do STF (em repercussão geral) no sentido de que a revogação de benefícios fiscais deve observância ao dito princípio (RE nº 1.473.645), fato é que o cálculo do atingimento do teto de R$ 15 bilhões é inapropriado ao considerar decisões judiciais provisórias. O presente artigo aborda este último aspecto.

Por mais que, segundo reconhece a RFB no citado relatório de 3/2025, apenas 7% da renúncia total do Perse decorra de “habilitações deferidas pelo Poder Judiciário” (R$ 894,7 milhões), é pouco coerente que pessoas jurídicas que judicializaram o tema e obtiveram decisões judiciais (ainda não definitivas) para a sua manutenção no programa sejam consideradas no cálculo apresentado.

Naturalmente, essas empresas estão se valendo de decisões judiciais provisórias para gozo do Perse. Caso essas decisões ainda não transitadas sejam cassadas, os demais contribuintes contemplados pelo programa serão profundamente afetados com a extinção prematura do benefício em caráter irreversível.

Se há decisão judicial vigente e o contribuinte dela usufrui (neste caso, gozando do benefício da alíquota zero do Perse), em havendo a sua cassação posterior, a parte beneficiada será cobrada da devolução do tributo. O contrário também pode ocorrer, ou seja, contribuintes hoje sem decisão judicial poderão ser beneficiados futuramente, impondo a recuperação dos valores que foram recolhidos a maior. Notadamente na primeira hipótese, se determinado contribuinte vier a ser derrotado em ação judicial, o PERSE será reaberto a partir do expurgo dos valores prematuramente embutidos no cálculo?

Ademais disso, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/00) impõe que a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) contenha o Anexo de Riscos Fiscais para avaliação dos riscos capazes de afetar as contas públicas, onde se inserem as demandas judiciais. A Lei de Responsabilidade Fiscal (artigo 5º, III, b) dispõe que a Lei Orçamentária Anual (LOA) contenha reserva de contingência destinada ao “atendimento de passivos contingentes e outros riscos e eventos fiscais imprevistos”.

Sendo assim, o obrigatório e rígido controle orçamentário das demandas judiciais, (inclusive com a reserva de contingência para cobrir eventuais perdas a depender da classificação de risco) indica existir um procedimento específico, com regras próprias e tratamento diferenciado, para o controle dessas ações, sendo pouco razoável misturar o orçamento de um benefício fiscal com o controle (e risco) orçamentário de processos judiciais.

Assim, todas as pessoas jurídicas que foram contempladas pelo Perse em sua redação original pelo prazo de 60 meses, sob uma visão estritamente jurídica (e não política ou orçamentária), não deveriam sofrer quaisquer limitações por normas posteriores, exigindo-se clareza e seriedade também no que diz respeito ao atingimento do limite de R$ 15 bilhões, que não deveria levar em conta pessoas jurídicas que discutem judicialmente o Perse, dadas todas as incertezas inerentes aos processos judiciais.



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