Mandado de segurança e os juros de mora em cobrança anterior


Opinião

Em março de 2025, fui convidado a participar do podcast Radio Decidendi, organizado pela Coordenadoria de TV e Rádio do Superior Tribunal de Justiça, em parceria com o Núcleo de Gerenciamento de Precedentes e de Ações Coletivas daquela Corte (Nugepnac). O tema em debate foi a tese firmada no Tema 1.133/STJ e seus reflexos práticos.

Gesrey/Freepik

Neste breve ensaio, apresentarei, em forma de texto, alguns pontos importantes que foram lá debatidos, esperando poder contribuir para a interpretação das múltiplas variáveis que essa tese pode gerar na prática forense, levando em conta a multiplicidade de mandados de segurança (individuais e coletivos) impetrados perante os órgãos do sistema de justiça brasileiro, que geram o reflexo pecuniário interno (cumprimento de sentença) e externo (ação autônoma de cobrança das parcelas retroativas).

Os recursos afetados foram os Resp 1.925.235; 1.930.309 e 1.935.653 (1ª Seção — Rel. Min. Assusete Magalhães). A questão submetida a julgamento foi a seguinte:

“Definir se o termo inicial dos juros de mora, em ação de cobrança dos valores pretéritos ao ajuizamento de anterior mandado de segurança, deve ser contado a partir da citação, na ação de cobrança, ou da notificação da autoridade coatora, quando da impetração do mandado de segurança.”

Esta foi a tese firmada (J. 10/05/2023 — DJe 29/05/2023):

O termo inicial dos juros de mora, em ação de cobrança de valores pretéritos ao ajuizamento de anterior mandado de segurança que reconheceu o direito, é a data da notificação da autoridade coatora no mandado de segurança, quando o devedor é constituído em mora (art. 405 do Código Civil e art. 240 do CPC).

Visando a contribuir para o debate, é necessário apresentar duas afirmações iniciais: o mandado de segurança não é o único instrumento visando a judicialização de direitos individuais, de grupos e de categoriais em face do poder público; a concessão da segurança poderá gerar múltiplos circuitos executivos, dependendo dos capítulos decididos e de seus reflexos para fora do procedimento mandamental.

Possibilidade de escolha pela ação de conhecimento com múltiplos pedidos

Como mencionado, a parte interessada (de forma individual ou coletiva) poderá demandar, visando ao reconhecimento de um direito com eventuais reflexos pecuniários dele decorrentes, através de mandado de segurança ou outra ação de conhecimento com procedimento comum.

A eventual propositura de ação de conhecimento com procedimento comum, contendo o mesmo objeto (mesma relação jurídica obrigacional) do mandado de segurança, pode provocar a incidência da litispendência ou mesmo da coisa julgada. No AgInt no RMS 7362 (Rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura — J. 18/12/20224 — Dje 24/12/20224), a 2ª Turma do STJ, citando outro precedente da Corte, afirmou, ao tratar da litispendência, que:

“Verificado que a providência requerida na ação mandamental e aquela pleiteada em anterior ação ordinária convergem, ao final, para o mesmo resultado prático pretendido e sob a mesma causa petendi, há pressuposto processual negativo apto a obstar o regular processamento deste segundo feito” (MS n. 21.734/DF, relator Ministro Gurgel de Faria, Primeira Seção, DJe de 9/12/2016).”

Logo, supondo que a escolha do interessado seja pela segunda hipótese, a procedência dos pedidos contidos na ação de conhecimento com procedimento comum, poderá gerar reflexo mandamental (circuito de cumprimento da obrigação de fazer — art. 536 e 537, do CPC), cabendo ainda a apuração do valor por cálculo aritmético para posterior cumprimento de sentença do reflexo pecuniário sincrético (artigo 509, §2º, do CPC), com intimação da fazenda pública para a apresentação de impugnação ao cumprimento de sentença (artigo 535, do CPC), e posterior pagamento mediante precatório requisitório ou requisição de pequeno valor (artigo 100, da CF/88).

Neste caso, os juros de mora do capítulo referente ao reflexo pecuniário interno — sujeito ao cumprimento de sentença de quantia — são fixados desde a constituição em mora do réu (artigos 312 e 240, do CPC c/c artigo 405, do CC).

Com efeito, é possível a provocação de múltiplos módulos/circuitos executivos judiciais (simultâneos ou sucessivos) na mesma relação jurídica processual, gerando variáveis formas de cumprimento e reflexos no prazo prescricional da pretensão executiva.

Na ementa do acórdão do STJ no AgInt no EmbExeMS 8468/DF — 3ª Seção — Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca — J. em 10.08.2022 — DJe 15.08.2022, consta expressamente a seguinte passagem: “a execução da obrigação de fazer não tem o condão de interromper a fluência do prazo prescricional da obrigação de pagar.”

Este é o ponto de reflexão e observação prática: uma única relação processual pode gerar vários títulos executivos simultâneos ou sucessivos, provocando módulos executivos com procedimentos específicos e prazos diferenciados para exercício da pretensão executiva, sob pena de prescrição parcial ou total.

Como consequência, o cumprimento de sentença do reflexo pecuniário será feito de forma interna, sem prejuízo do cumprimento de sentença do capítulo decisional que reconheceu o direito — obrigação de fazer.

Mandado de segurança e ação de cobrança do período anterior

Além da opção apresentada acima, é muito comum na prática forense a impetração de mandado de segurança e, com o reconhecimento do direito e inauguração dos circuitos de cumprimento interno da obrigação de fazer e de pagar o reflexo pecuniário, seguido de ajuizamento de ação de cobrança, com o procedimento comum, visando a discutir o valor pretérito — anterior ao mandamus.

Neste caso, surge a questão enfrentada no Tema 1.133/STJ: qual o termo inicial dos juros de mora referente ao período pretérito – a citação na ação de cobrança ou a notificação da autoridade coatora anteriormente ocorrida no mandado de segurança?

Spacca

Vejamos uma situação hipotética: mandado de segurança individual ou coletivo impetrado em abril de 2022, com a notificação da autoridade coatora no mesmo mês e posterior concessão da segurança reconhecendo o direito a determinada parcela, inclusive em relação ao período retroativo, ocorrendo o trânsito em julgado em março de 2025. No caso, são inaugurados os módulos de cumprimento de sentença internos da obrigação de fazer (efeitos imediatos — ex nunc) e de pagar as parcelas pecuniárias internas (artigo 14, §4º da Lei 12.016/09 e Súmula 271/STF), com quitação mediante precatório requisitório ou requisição de pequeno valor.

No ponto, vale uma observação: não se desconhece o teor das Súmulas 269 e 271/STF. Contudo, neste exemplo, o mandamus não pretende cobrar valores e sim reconhecer um direito, com reflexo pecuniário interno — objeto de cumprimento de sentença dentro do próprio mandado de segurança (artigo 14, §4º, da Lei 12.016/09) e sem honorários advocatícios (artigo 25, da Lei 12016/09). Quanto às parcelas anteriores à impetração, podem ser discutidas administrativamente ou mediante outra provocação judicial.

A propósito, recentemente foi objeto de debate no STJ a questão relativa à incidência ou não de honorários advocatícios no cumprimento de sentença na fração referente ao reflexo pecuniário interno. A tese firmada no Tema 1.232/STJ foi a seguinte:

“Nos termos do art. 25 da Lei n. 12.016/2009, não se revela cabível a fixação de honorários de sucumbência em cumprimento de sentença proferida em mandado de segurança individual, ainda que dela resultem efeitos patrimoniais a serem saldados dentro dos mesmos autos.”

Incidência dos juros de mora

Voltemos a enfrentar o objeto do Tema 1.133/STJ, para tentar responder a seguinte pergunta: qual o momento de incidência dos juros de mora em relação à ação de cobrança posterior, a data da citação da pessoa jurídica de direito público (artigo 240, do CPC e 405, do CC?) ou da anterior notificação da autoridade coatora no MS?

Seguindo a situação apresentada neste texto, após o trânsito em julgado do mandado de segurança que reconheceu o direito, a parte ajuizou a ação de cobrança do retroativo pecuniário decorrente da concessão da segurança, sendo citada a pessoa jurídica apenas em abril de 2025. Os juros irão incidir a partir desta citação ou da notificação ocorrida no anterior MS?

Uma coisa é certa. Não se trata de mera discussão acadêmica, eis que, na prática, a depender da data da fixação dos juros de mora, a diferença de cálculo pode ser de elevada monta.

Duas observações devem ser feitas neste momento:

  • a) a impetração do MS e a notificação interrompem a prescrição, que volta a correr a partir do trânsito em julgado do processo que a interrompeu (artigo 202, V e parágrafo único, do Código Civil), observados os regramentos ligados ao prazo previstos no artigo 9º, do Decreto nº 20.910/32 e da Súmula 383/STF;
  • b) a rigor, nesta ação de cobrança não se pode rediscutir o mérito referente à relação obrigacional envolvendo o autor e a fazenda pública, sob pena de violação da coisa julgada decorrente do padrão decisório advindo do MS .

Quanto ao primeiro ponto, vale citar passagem do AgInt no REsp 1.906.909/PE, 2ª T/STJ (Rel. Min. OG Fernandes — J. 08.02.2022):

“1. A impetração do mandado de segurança, mesmo coletivo, interrompe a prescrição da pretensão de cobrança das parcelas referentes ao quinquênio que antecede a propositura daquele.

2. Nesses casos, o prazo prescricional somente voltará a fluir após o trânsito em julgado da decisão proferida no writ e sua contagem, nos termos do artigo 9º do Decreto n. 20.910/1932, far-se-á pela metade, nunca reduzido o total do lapso a menos de cinco anos, por força da Súmula 383/STF.”

Ainda no tema, vale a leitura: REsp n. 1.647.163/PR, 2ª T/STJ Rel Min. OG Fernandes, J. 3/4/2018, DJe de 9/4/2018; AgInt no REsp n. 1.711.432/DF, 2ª T/STJ, rel. Min. Mauro Campbell Marques, J. 7/8/2018, DJe de 14/8/2018).

Mandado de segurança na ação posterior de cobrança do retroativo

Já em relação ao segundo aspecto (limitação cognitiva da ação de cobrança e vedação de rediscussão do objeto decidido no MS), a 2ª Turma do STJ (REsp. 1.669.480 – Rel. Min. Herman Benjamin, J. 20.06.2017) asseverou que “conforme jurisprudência do STJ, em ação de cobrança que visa ao pagamento de parcelas anteriores à impetração do mandado de segurança, é vedado rediscutir direito reconhecido no writ, sob pena de violação à coisa julgada”.

É importante, neste momento, apresentar as seguintes conclusões quanto aos reflexos do mandado de segurança na posterior ação de cobrança do retroativo: o MS interrompe o prazo prescricional das parcelas retroativas; delimita o período de tempo a ser formulado na demanda posterior; e constitui em mora o devedor, tendo em vista que se trata de apenas uma relação jurídica obrigacional.

Exploremos esta última assertiva. Realmente, a situação jurídica obrigacional é uma só, tanto que o interessado poderia demandar mediante única ação de conhecimento com vários pedidos (como mencionado anteriormente); portanto, a impetração do MS com posterior ação de cobrança do período retroativo são estratégias processuais a serem adotadas pelo interessado.

A única ressalva que faço, e aprofundo esta discussão em meu livro Mandado de Segurança (10ª edição. Salvador: Juspodivm, 2024), é quanto a fixação da data da incidência dos juros de mora levando em conta a notificação da autoridade coatora. Afinal de contas, esta autoridade representa a fazenda pública no mandado de segurança? Segundo o entendimento deste Tema 1133/STJ, a notificação cientifica o Poder Público quanto ao não cumprimento da obrigação (mora ex personae).

Unificação das datas

Realmente, não faria sentido delimitar o período de tempo anterior ao MS a partir de sua impetração, e os juros de mora a partir da citação da pessoa jurídica na futura ação de cobrança. A unificação destas datas, portanto, resolve um problema de interpretação jurisprudencial, e estabelece mais segurança jurídica e previsibilidade aos múltiplos casos concretos envolvendo a fazenda pública.

Como consta no voto da relatora no caso concreto apreciado no Tema 1.133/STJ:

“Portanto, em relação às parcelas pretéritas, cujo direito foi reconhecido, na via mandamental, o termo inicial dos juros de mora, na ação de cobrança, deve ser fixado na data da notificação da autoridade coatora, pois é o momento em que, nos termos do art. 405 do Código Civil c/c art. 240 do Diploma Processual, houve a interrupção do prazo prescricional e a constituição em mora do devedor.”

Como se pode observar, o julgamento dos recursos especiais sob a sistemática dos recursos repetitivos veio em excelente momento, visando uniformizar o entendimento jurisprudencial nacional.

Destarte, alguns julgados entendiam que os juros de mora da parcela retroativa deveriam incidir a partir da citação na ação de conhecimento (artigos 405, do Código Civil e 240, do CPC). Nos órgãos fracionários do STJ, contudo, o posicionamento prevalecente é no sentido de que o MS interrompe a prescrição e fixa a data de incidência dos juros relacionados às parcelas retroativas (REsp nº 1.151.873/MS, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 13/3/2012, DJe 23/3/2012; AgInt no REsp 1.711.432/DF, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe de 14/08/2018).

Em conclusão, é possível afirmar que, além dos circuitos executivos internos do mandado de segurança (reconhecimento do direito e reflexos pecuniários das parcelas a partir da impetração), é comum o ajuizamento de posterior ação de cobrança das parcelas anteriores, observado o prazo prescricional e com a incidência dos juros de mora a partir da notificação da autoridade coatora no anterior mandamus.

A tese firmada pela 1ª Seção do STJ, portanto, busca superar a discussão, trazendo mais segurança jurídica e previsibilidade.



Postagens recentes
Converse com um advogado